Conversamos com exclusividade com Luiz Sérgio Alvarenga, redator do projeto de lei aprovado em dezembro que regulamenta e padroniza regras para abertura e funcionamento de oficinas
Texto: Carolina Vilanova
Fotos: Arquivo
Já não é de hoje que se tenta profissionalizar o setor da reparação automotiva no Brasil. Mesmo considerando que muita coisa melhorou nos últimos 20 anos, a informalidade dos estabelecimentos ainda existe. E mesmo tendo a imagem melhorada com o conceito de uma oficina mais limpa e organizada, ainda existe uma relação ambígua entre o mecânico e o consumidor. Ou seja, o mesmo cliente que muitas vezes fala mal do profissional, continua confiando nele como se fosse um médico da família na hora de mexer no seu carro.
Outro ponto importante dessa relação é a mobilidade, pois o cliente ainda quer uma oficina perto da casa dele, para facilitar a sua vida. Moral da história: no passado começaram a abrir várias oficinas de bairros a fim de suprir essa necessidade, mas nem sempre elas tinham as condições legais de funcionamento. “Ou seja, essa informalidade deixava os donos dos estabelecimentos formais bastante chateados, reclamando da abertura desenfreada de oficinas, que na cabeça deles não tinham competência para operar”, conta Luiz Sérgio Alvarenga, diretor do Sindirepa-SP e assessor do Sindirepa Nacional.
Estariam eles certos? Não se sabe, mas para amenizar esses casos e garantir ainda mais o serviço de qualidade para o cliente, as entidades começaram a pensar numa solução para regulamentar as oficinas de reparação veicular. “Era uma situação delicada e várias dúvidas surgiram: com tanta tecnologia hoje em dia, como uma oficina pequena consegue oferecer todos os serviços num único lugar? Imagina o tanto de equipamentos que teria de ter. É inviável pensar em ter um equipamento muito específico se levar em consideração a baixa demanda”, continua.
Luiz Sérgio Alvarenga, diretor do Sindirepa-SP e assessor do Sindirepa Nacional
Segundo Sérgio, estava na hora de repensar o negócio “oficina nos novos tempos”, estava na hora de mostrar uma escala para essas pessoas, para o consumo melhorar e para o profissional focar o seu negócio. Só agora no final do ano de 2013 a regulamentação das oficinas realmente se tornou verdade, com a aprovação do projeto de lei nº 322/2008, de autoria do deputado Major Olímpio (PDT), que regulamenta a abertura e o funcionamento de empresas de reparação de veículos.
Oficina formal: agora é lei
O projeto de lei de 2008 regulamenta e padroniza regras para abertura e funcionamento de oficinas e serviços baseados em normas da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. A regulamentação beneficiará o mecânico e também o consumidor, com a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelas empresas.
De acordo com o projeto de lei, as oficinas mecânicas deverão manter um responsável operacional pelos serviços executados que atenda aos requisitos da ABNT ou que tenha passado por treinamento de 400 horas ou dois anos de experiência comprovada. Os estabelecimentos terão de exibir em local visível os certificados e o atestado de legalidade sindical.
O presidente da entidade também comemorou a aprovação da lei: “É um pleito antigo do Sindirepa-SP. Com certeza, trará muitos benefícios ao setor de reparação de veículos, que no momento emprega mais de 300 mil profissionais”, afirma o presidente do Sindirepa-SP e Sindirepa Nacional, Antonio Fiola.
Como tudo começou
Sergio explica que essa ideia vem de longas datas, mas só a partir de 2007 tomou forma, depois de muito escutar o clamor do setor. “Nesse ano fizemos uma convenção discutindo a norma do mecânico NBR 15681. O outro assunto era disciplinar, ou seja, quem pode operar. A entidade, pensando como um todo traduziu tudo que foi falado e então, comecei a escrever o projeto de lei. Então, a ajuda veio do deputado Major Olímpio, que se mostrou solícito a causa do setor. E aí, começou todo o trâmite natural de uma lei”, afirma.
Foi uma mistura de ideias que ele colocou no papel, inclusive com exemplo de outros países, mas com uma certeza: a lei tem que estar focada no consumidor, mesmo defendendo a categoria. “O texto era leve e brando, com pautas que poderiam ser sustentadas, valendo para as oficinas de grande porte e as pequenas. A capacitação era o alicerce vital para o negócio e a normalização seria um pilar menos engessado, porém, seguindo as informações do fabricante”, comenta Sérgio.
Ele continua: “O eixo central da lei está na capacitação do profissional, que tem que treinar para sempre, por conta dos novos modelos de veículos e das novas tecnologias. E a normalização porque é o caminho mais seguro e democrático de seguir uma recomendação correta, protegendo o consumidor e a oficina. E melhoria de processos, evitar quebras, desperdícios. O caminho mais legal é uma norma, falar de sistemas e não de um veículo específico. Esse é o conceito de uma lei moderna”.
A lei é focada em empresas de reparação, sem contar as oficinas de funilaria e retífica, nada que não possa ser copiado. “O último dado estimativo registra 97 mil oficinas no Brasil, sendo apenas 20% de funilaria e pintura”.
“Por força de lei todas devem recolher sindicato patronal, pagar imposto e recolher as taxas do governo, mas na prática, não é assim, porém, a pressão do mercado está fazendo a informalidade diminuir. Sabemos que os pontos não são baratos e os equipamentos também não. Por isso acreditamos que esse é o caminho para se ter um estabelecimento de reparação formal. O setor tem que se organizar, a politica da instituição acredita em coisas legais. Fio de bigode não tem longevidade e é complexo”, completa.
Quem colocou em prática e como?
Depois que o deputado fez o tratamento ortográfico legislativo, começou o ciclo legislativo: a aceitação, ver se nasce o projeto de lei, e depois a circulação nas comissões, a começar com a comissão de Constituição e Justiça, para certificar que não fere a Constituição Brasileira. Depois o projeto passou por outras quatro ou cinco comissões, entre elas, meio ambiente, finanças, consumidor, etc.
Depois de aprovada, foi chamada a audiência pública na assembleia, em 2008, ou seja, a sociedade vem interferir, dar sua opinião, etc. Então, foi mandada para apreciação do executivo, mas tempo depois com veto do governador Geraldo Alckmin, que entendeu que o projeto era de esfera federal e não estadual, ou seja, quem decide é a presidente.
“Mas assembleia acatou o veto e a lei conseguiu ser aprovada, depois de cinco anos, se tornando uma lei estadual, cujo prazo está estabelecido em um ano para as oficinas se adequar. Nesse meio tempo, fizemos contato com os SENAIs regionais e a ABNT para facilitar essa adequação. Além disso, falamos com as fábricas para validar os certificados de forma que eles sejam aceitos na lei”, afirma Sergio.
De acordo com o projeto de lei, as oficinas mecânicas deverão manter um responsável pelos serviços executados que atenda aos requisitos da ABNT ou que tenha passado por treinamento de 400 horas em uma escola como o SENAI (foto) ou dois anos de experiência comprovada
Como o mecânico pode adequar, O que ele vai ganhar com isso?
Tudo está sendo feito para facilitar a vida do mecânico. Vai partir do Sindirepa a comunicação e a divulgação da lei. “Vamos fazer um arrastão, falar disso todo mês. A ideia é melhorar o nível para quem já está certinho e adequar quem não está. Acertar as burocracias da oficina. Vamos separar o mecânico da empresa, o mecânico da oficina, ou seja, o funcionário é de responsabilidade do sindicato dos metalúrgicos. Do ponto de vista legal, não pode interferir. A empresa oferece o serviço, comprova que tem qualificação e capacitação do que oferece, e acaba caindo no funcionário”, comenta Sérgio.
A proposta é a seguinte: recomendar que a oficina pegue seus funcionários e seus certificados e comprove que eles estão lá há dois anos, não está especificado na lei o lugar que ele tem que fazer os cursos, é só comprovar que ele já tem 40 horas treinamento. “Isso eleva o nível do negócio e melhora a imagem, forçando o funcionário a buscar melhoria continua como pessoa. Dá uma segurança maior para o empresário e para o consumidor”.
Segundo Sérgio, a lei vem ajudar em longo prazo a criar uma cultura, para que o cliente leve o carro onde tenha a credencial para fazer o serviço adequado. Direcionar o público para a oficina certa. Se ele for ao lugar que não tem o serviço adequado e reclamar depois, quem estará errado é ele. “O Procon não deve aceitar a reclamação desse cliente”.
O que acontece se não cumprir?
Foi vetada a parte que falava de multas e penalidades, ficou a vontade a fiscalização entre o consumidor e a oficina. Não tem um fiscal, é tudo eletrônico. “Posso como oficina denunciar e o consumidor também pode denunciar. Vamos ter que liderar um processo para manter viva a chama. Atender a lei porque ou vai perder clientes, não porque vai ter uma multa. O mercado vai regular de tal forma que a multa vai ser a ausência de cliente na empresa” finaliza.