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Artigo: Mitos e verdades sobre o uso do etanol como descarbonizante

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Mitos e verdades sobre o uso do etanol como descarbonizante

Afinal, é mesmo o etanol que “limpa” a câmara de combustão em motores flex? Ou a eliminação dos depósitos acontece por algum outro fenômeno?

 

artigo por Fernando Landulfo

Assim como uma folha de papel em branco, as páginas da Internet aceitam qualquer coisa. Ou seja, desde que dentro da lei, qualquer um pode escrever e divulgar aquilo que bem entender. Errado? De forma alguma. A liberdade de expressão nos garante esse direito. Mas quando o assunto tratado é de cunho técnico, são necessários maiores cuidados pois: “nem tudo é aquilo que aparenta ser”. E o uso do etanol como descarbonizante de câmaras de combustão em motores do ciclo Otto é justamente um desses temas.

Inúmeras e inflamadas discussões a respeito da sua real eficiência, vem ocorrendo na rede. Os defensores ferrenhos afirmam categoricamente que: a sua utilização durante algum tempo, em motores flex, remove os depósitos de carvão das cabeças dos pistões, gerados pelo precedente uso de gasolina. Sustentam as suas alegações com vídeos e imagens (do tipo antes e depois) publicadas na rede, produzidas em experimentos feitos sob condições não controladas, com a ajuda equipamentos do tipo boroscópio.

Já aqueles que dominam a ciência química afirmam que apesar do etanol ser um solvente poderoso, amplamente utilizado dentro da indústria química, ele não consegue dissolver depósitos mineralizados de carbono (carvão incrustrado).

Só que os vídeos e imagens disponibilizados na Internet mostram claramente o desaparecimento dos depósitos. O que inflama os defensores do uso do produto que, quando contestados tecnicamente com base nas características químicas do etanol, rebatem com aquele velho jargão: “a prática é diferente da teoria”.

“Só que não”. A verdade é que um não existe sem o outro: a teoria dá credibilidade à prática. E esta, por sua vez, comprova e concretiza a teoria. E para acabar de uma vez com essa discussão, vamos buscar embasamento técnico/ científico que permita explicar como esse fenômeno observado ocorre. Em primeiro lugar, é preciso definir tecnicamente o etanol.

Novaes (2022), descreve o etanol como sendo: uma substância química, de fórmula C2H6O, pertencente à família dos álcoois. Trata-se um líquido incolor, inflamável e miscível em água. Possui diversas aplicações industriais: produção de tintas, solventes, detergentes, cosméticos, medicamentos, antissépticos e bebidas alcoólicas.

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Mitos e verdades sobre o uso do etanol como descarbonizante

Fogaça (2022) complementa, afirmando que o etanol possui uma molécula do tipo polar, e que essa polaridade¹ permite não só a sua solubilidade em água (outra molécula polar), assim como ser solvente e ser dissolvido, em todas as demais moléculas orgânicas e inorgânicas polares. Nesse ponto é interessante citar que a maioria das graxas e óleos tem moléculas apolares, o que impede a sua solubilização por água. Apenas solventes constituídos por hidrocarbonetos apolares, em tese, poderiam dissolver esses produtos.

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Contudo essa teoria não explica a solubilidade do etanol (molécula polar) na gasolina (molécula apolar). Fogaça (2022) esclarece que existem exceções a essa regra, como é o caso da gasolina e do etanol, devido uma parte molécula do etanol ser apolar e ter muita afinidade com a molécula apolar da gasolina (força de atração entre as moléculas).

Quanto ao etanol ser solvente das gomas geradas pela gasolina nos dutos de distribuição de combustível, segundo Martins (2006), essas gomas (constituídas por moléculas de grandes cadeias carbônicas) são formadas devido à oxidação da gasolina provocada pela instabilidade dos hidrocarbonetos e presença dos compostos insaturados na sua composição.

Por sinal, de acordo com Brunetti (2018, v. 1 p. 387), depósitos de gomas tendem a aumentar quando o etanol é misturado com a gasolina e pulverizado no motor como combustível (p. 387).

Essa goma, segundo Martins (2006), se apresenta como um material resinoso, que tende a precipitar causando depósitos no sistema de distribuição de combustível.

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De acordo com Martins (2006): “a reação de formação da goma ocorre principalmente sob a presença do oxigênio que ‘ataca’ a ligação dupla da cadeia insaturada dos componentes presentes na gasolina, formando um composto iônico (…)”.

Ou seja, um composto polar que pode ser dissolvido pelo etanol. O que explica a sua eficiência nesse tipo de “limpeza”. No entanto, os depósitos de carvão que se acumulam (mineralizam) no interior dos motores não só têm outra origem como características próprias.

Mello (2008), atribui a formação desses depósitos, entre outros, aos gases de combustão.

Dias (2012), por sua vez, atribui esses depósitos à combustão incompleta dos combustíveis fósseis (gasolina) e à baixa qualidade dos mesmos. De acordo com essa mesma referência, a carbonização se inicia durante a fase fria, quando a central de gerenciamento eletrônico do motor (ECU) provém mistura mais rica. A fuligem formada não só contamina as câmaras de combustão. As altas temperaturas geradas nas câmaras de combustão, associadas aos vapores de lubrificante, oriundos do blow-by, facilitam ainda mais formação desses depósitos. Sobretudo, se o combustível (gasolina) já estiver parcialmente oxidado (formando gomas). O uso de veículo em trajetos curtos tende a potencializar o fenômeno.

Como já afirmado em outras ocasiões, não foi encontrado, até o presente momento, qualquer trabalho científico que confirme a eficiência do etanol como solvente dos depósitos sólidos de carvão que se formam no interior das câmaras de combustão.

Logo, o desaparecimento dos depósitos sólidos de carvão durante a utilização do etanol em motores flex está associado a outro(s) fenômeno(s).

ENTÃO, O QUE EXPLICA A “LIMPEZA” DO MOTOR FLEX NO USO DO ETANOL?

Os modernos motores flex trabalham com misturas mais pobres e rigidamente controladas. O que, por si só, já tende a diminuir a quantidade de depósitos formados no interior das suas câmaras de combustão. Logo, é de se esperar que, em motores em bom estado de conservação, operando sob condições previstas pelo fabricante, as camadas de carvão depositadas pelo uso exclusivo de gasolina sejam bem finas.

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Segundo Penido Filho (1980), a utilização de etanol em motores, além de aumentar o rendimento térmico (apesar do menor poder calorífico do etanol em comparação a gasolina), não proporciona os depósitos de carvão gerados pela gasolina.

Logo, fica fácil concluir que utilizar etanol nesses motores, na pior das hipóteses, interrompe o processo de carbonização. Algo que pode ser explicado pela simplicidade da sua formulação (um único componente) e moléculas (apenas 2 carbonos).

Por sinal, algo que já foi bastante observado e comentado nas redes: óleo lubrificante claro e câmaras de combustão isentas de carvão.

A remoção química (solubilização) dos depósitos de carvão (moléculas via de regra apolares), aqui discutidos, podem ser obtidas pelo uso de produtos “descarbonizantes” à base de tensoativos e/ou sulfonatos, via de regra não iônicos (moléculas apolares).

Mas o que gera as remoções observadas? De acordo com Brunetti (2018) a combustão da mistura ar/etanol é cerca de 10% mais rápida do que a da gasolina (v. 1, p. 386). Além de ser um pouco mais quente (gera mais energia) (v. 1, p. 380).

A temperatura mais elevada, combinada com a não formação de novos resíduos e a frente de chama mais rápida, que se desenvolve no interior das câmaras de combustão, formam condições bastante propicias para um desprendimento gradativo em micropartículas (como se fosse uma cavitação), calcinação e expulsão dos depósitos existentes. Dando a aparência de limpeza observada.

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