Cuidados com a conservação de raridades

Garagem em São Paulo mantém como novos algumas relíquias sobre rodas, tanto originais como veículos modificados

Texto e fotos: Fernando Lalli

No meio de um bairro residencial em São Paulo, uma garagem guarda um pouco da história do automóvel e da paixão dos donos de cada modelo. O colecionador Guilherme Junqueira Franco criou em 2005 a Garage Hot & Classics, onde guarda não só seus modelos como oferece o espaço a outros proprietários de veículos raros que não tenham onde deixar suas preciosidades.

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Lá estão por volta de 45 veículos, que vão desde um VW Gol quadrado com placa preta a um Chevrolet de 1925 completamente restaurado, passando por caminhonetes modificadas no estilo Street Rod, Porsches novos e antigos, uma Ferrari 355 e até um VW Fusca “Itamar” Série Ouro de emocionar os admiradores do modelo. E apesar de estarem longe de seus donos, os veículos são tratados como se estivessem em casa.

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Galpão em São Paulo abriga um pedaço da história do automóvel
com modelos fabricados entre 1925 e os anos 2000

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Manutenção
Como ficam sem rodar por bastante tempo, o serviço que a garagem oferece também engloba alguns cuidados com a conservação de cada modelo. Entre os quais estão a calibragem periódica dos pneus e o funcionamento do motor pelo menos uma vez por semana. Alguns carros, no entanto, precisam ser ligados obrigatoriamente até três vezes por semana.

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Carros com problemas de carburação são ligados
até três vezes por semana

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“A gente aprende com os próprios carros”, conta Guilherme. “Alguns modelos têm problemas de carburação, então precisam ser ligados mais vezes. Se forem ligados apenas uma vez por semana, demoram mais para pegar, ficam rateando”, explica. Outro ponto importante é a manutenção da carga das baterias, um cuidado tomado principalmente no inverno, quando ocorre uma perda de carga maior.

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Todos os carros recebem regularmente carga da bateria
e calibragem dos pneus (abaixo)

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O dono da Garage Hot & Classics afirma que contato direto com os carros faz com que eles sejam os primeiros a identificar algum problema que apresente. No caso, o proprietário estaria livre para acionar sua oficina de confiança ou recorrer às oficinas especializadas credenciadas à garagem, que cuidam de todos os aspectos: mecânica, elétrica, funilaria e pintura, restauração e tapeçaria.

“A elétrica de carros antigos é muito diferente. Esses eletricistas credenciados conhecem os carros como eles eram lá atrás, então os reparos são feitos como eram na época. Por exemplo, eu precisava de um platinado para um motor Ford V8; procurei um desses eletricistas e ele tinha um platinado original Motorcraft na caixa”, conta Guilherme.

Conseguir peças para esses carros, no entanto, às vezes não é tão difícil. Pela internet, o comércio de peças é forte e lojas especializadas distribuem catálogos completíssimos de modelos clássicos. Para se ter uma ideia, o dono da Mercedes-Benz 450 SEL que está na garagem conseguiu até mesmo o pneu original de fábrica do modelo nos anos 80. “Hoje em dia, você acha peça de qualquer carro pela internet. E fábricas como Porsche, BMW e Mercedes têm peças zero para qualquer um de seus carros”, afirma Gulherme.

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Mercedes-Benz 456 SEL dos anos 80 tem até
os pneus originais da época para reposição

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Como exemplo, Guilherme mostra o catálogo de peças para picapes Chevrolet GMC fabricadas entre 1947 e 2004, que abrange desde itens de mecânica até customização. Outro catálogo lista peças para todas as gerações do Chevrolet Impala, dos anos 60 aos 90. Tem até catálogo de peças novas para os Ford Modelo A fabricados entre 1928 e 1931. É possível até mesmo comprar um motor zero km em configuração original para esses veículos.

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Porém, o proprietário da garagem ressalta que a orientação passada aos clientes é não fazer nenhum reparo dentro do galpão, já que o local não está equipado com o ferramental de uma oficina mecânica. “Preferimos não misturar as propostas. Guarda de carros com oficina não funciona, por causa da própria sujeira, até pela filosofia do negócio”, opina.

Limpeza
A limpeza é um ponto crucial para automóveis raros que ficam guardados por muito tempo. Para limpá-los, Guilherme utiliza uma cera de formulação especial e de fabricação própria, capaz de proteger a pintura ao mesmo tempo em que faz uma “lavagem a seco”. Isso evita o uso de água, que pode provocar ferrugem pela umidade que pode ficar atrás de bordas de capota, saias de porta, caixas de ar e frisos. “Carro antigo tem muito friso. Esses frisos são fixados por grampos, e o acúmulo de água ali vai provocar oxidação no futuro”, diz o colecionador.

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Garage Hot & Classics utiliza cera de fabricação própria
para manter os carros limpos e protegidos

Ele sabe o quanto um carro de coleção sofre sem o cuidado especializado. A necessidade de abrir a garagem veio justamente da dificuldade de Guilherme em manter seus carros em boas condições. Como não tinha onde guardar sua frota, o colecionador deixava os modelos espalhados em estacionamentos normais. “Mas quando eu chegava para andar com algum carro, ele estava sujo, ou com pneu murcho, ou mesmo não funcionava. Ou tinha problemas como riscos, amassados nas portas e até respingos de tinta na lataria”, detalha.

Quando resolveu reunir os modelos em um galpão, o local escolhido se mostrou muito grande para abrigar apenas sua coleção, que naquela época era de 16 carros. Então resolveu alugar as vagas restantes para outros donos de carros antigos, com os quais a paixão por automóveis acabou criando laços dignos de uma verdadeira confraria. Tanto que a garagem virou um ponto de encontro e, futuramente, a intenção de Guilherme é promover passeios de carros clássicos, já que o lugar deles é na estrada.

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Guilherme Junqueira Franco mantém o galpão e organiza encontros
entre os donos das preciosidades que ajuda a conservar

“Esses carros tem que pegar estrada para circular o óleo do motor, circular a água do radiador, fazer a temperatura do motor atingir seu ponto de equilíbrio, fazer com que os pneus e os rolamentos rodem, que a embreagem e o câmbio trabalhem. O carro estraga mais parado do que andando”, afirma Guilherme. “O fato de eu funcionar os carros, aqui, não é suficiente para manter o carro em ordem. Por isso, queremos fazer esses passeios para incentivar o dono a curtir o carro dele e também preservar a parte mecânica”.

Verdadeiras raridades
Entre os grandes destaques da coleção pessoal de Guilherme está o raríssimo sedã Emme Lotus 422T, ano 1998, a unidade número 9 entre as 12 que foram fabricadas no interior de São Paulo. A mecânica é da própria Lotus inglesa: um motor 2.2 turbo de 4 cilindros, capaz de gerar 264 cv de potência, mas a construção toda é um Frankenstein automotivo: câmbio de Mustang, eixo traseiro de Jaguar e faróis dianteiros do Ford Escort. Até hoje, pouco se sabe sobre quem fez o modelo, já que a fábrica desapareceu tão misteriosamente quanto surgiu. Não se sabe sequer quem projetou o carro: a lenda dá conta de que o projeto foi surrupiado da Volvo.

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Emme Lotus 422T, o misterioso sedã esportivo nacional
do qual só foram fabricadas 12 unidades

Outra raridade da indústria brasileira, esta muito mais conhecida e consagrada, é um VW Fusca Série Ouro de 1996, com apenas 7 mil km rodados. As unidades da Série Ouro foram os últimos Fuscas fabricados no Brasil. Ao seu lado, está um VW Golf GTI dos anos 90, importado e bem mais moderno, mas também pouquíssimo rodado: apenas 10 mil km no odômetro.

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Mais um modelo raro em terras brasileiras é o Porsche 968 1992, que possui um motor de configuração incomum: um 3.0 de quatro cilindros em linha. Cada cilindro tem aproximadamente 750 cc de deslocamento, o que faz dele o maior quatro-cilindros já fabricado pela marca alemã. Para quem possa se interessar, o modelo está à venda por R$ 90.000,00.

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Porsche 962, ano 1992, que possui o maior motor
de quatro cilindros já fabricado pela marca (abaixo)

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O carro mais antigo estacionado no galpão é um Chevrolet 1925, com detalhes interessantíssimos como as rodas de madeira, termômetro da água de radiador e suspensão com amortecimento feito por tiras de couro.

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Chevrolet 1925, acima, possui rodas de madeira,
termômetro da água de radiador sobre o capô e suspensão
com amortecimento feito por tiras de couro (abaixo)

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Uma característica forte da coleção exposta no galpão são os modelos modificados no estilo Street Rod: automóveis clássicos que recebem mecânica atual. A filosofia é parecida com a dos Hot Rods, porém, os Street Rods preservam mais as características originais do carro. Nessa linha, chamam a atenção uma picape Studebaker 1955 reconstruída com a mecânica de uma Ford Ranger. Outra picape, uma Chevrolet 1955 vermelha, recebeu o chassi e o powertrain de uma SS-10 americana, ano 1994.

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Picape Studebaker (acima) foi reconstruída com a mecânica
de uma Ford Ranger moderna, enquanto uma Chevrolet 1955
ganhou chassi e powertrain de uma SS-10 1994 (abaixo)

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Olhares dos apaixonados por muscle cars também desviam quando encontram modelos como o Buick Skylark, Dodge Charger, Chevrolet Impala, Opala SS e um Ford Maverick 1974 (completamente reformado, à venda por R$ 38.000,00).

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Galpão abriga belos muscle cars como um Maverick 1974
e um Dodge Charger R/T (abaixo)

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Mas o xodó da coleção pessoal de Guilherme é um Chevrolet 1940 Coupe Deluxe no estilo Street Rod. Totalmente modificado, o carro recebeu suspensão dianteira de Opala, eixo traseiro de Camaro e câmbio automático do Diplomata.

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Chevrolet 1940 Coupe Deluxe no estilo Street Rod (acima) tem motor de Bel Air
capaz de gerar 200 cv de potência (abaixo)

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O motor é um capítulo a parte: o bloco é de um conjunto 283 que originalmente equipava um Bel Air 1955, mas o restante foi totalmente modificado com a inclusão de um coletor Edelbrock, carburador quadrijet, ignição Mallory com módulo voltada para performance, entre outros. Hoje, o motor desenvolve aproximadamente 200 cv de potência máxima. “Esse é um carro para colocar na estrada e andar”, conta o proprietário, orgulhoso de sua criação.

 

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