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Virei dono de oficina em meio à pandemia

Veja como cinco mecânicos deixaram de ser funcionários para se tornarem empresários durante o atípico ano de 2020; saiba como se estruturar para abrir o próprio negócio

Já é um hábito de quem lê a Revista O Mecânico esperar por matérias técnicas explicando evoluções nos sistemas automotivos. Mas há uma peça muito especial em todas essas evoluções, que é justamente quem as conduzem e as executam: o mecânico. Nesse caminho, há profissionais que decidiram não só evoluir como mecânico, mas passar a ser gestor, ou melhor, empresário, e abrir  sua própria oficina.

Sair da posição de funcionário e passar a ser empreendedor é uma aposta vantajosa, tendo em vista que o setor de manutenção automotiva é um pilar importante na economia nacional. Segundo o IBGE, em Pesquisa de Orçamento Familiar, os gastos estimados com manutenção de veículos por ano no Brasil são de R$ 128 bilhões. Entretanto, antes de montar uma oficina, é necessário investimento, e claro, planejamento. Além do investimento intelectual, que ocorre com a atualização profissional por meio de cursos, é imprescindível ter um local adequado e o ferramental correto para a realização dos serviços com destreza.

Em pesquisa realizada pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em 2014, só para estabelecer a estrutura da oficina, sem contar o ferramental, o mecânico gasta em média R$ 31,2 mil. O investimento em ferramentas e equipamentos varia de acordo com o escopo da oficina: para manutenção de linha leve, o capital médio aplicado é de R$ 60 mil a R$ 70 mil; para auto elétrica, o valor investido é de R$ 50 mil a R$ 60 mil; se for focada em funilaria e pintura, de R$ 100 mil a R$ 130 mil. Embora esses valores possam estar mais elevados com o atual momento da economia, há formas de se estruturar cautelosamente e adequadamente para esse investimento.

SABER AS NECESSIDADES DO MERCADO É FUNDAMENTAL

O conhecimento do mercado que se pretende atuar sem dúvida é um dos principais pontos para o desenvolvimento saudável da oficina, explica o Analista de Negócios do Sebrae, Reginaldo de Andrade Santos. “Quando se fala em conhecer o mercado é no sentido de entender como cada indivíduo desse ecossistema se comporta. Saber como o cliente é, como funcionam os fornecedores, que são parceiros estratégicos, e, por último, conhecer bem a concorrência. A concorrência vai ser um termômetro no seu planejamento”. Para o especialista, saber que você e sua oficina serão o principal produto do negócio também é de suma importância.

“Uma característica muito comum no segmento é que já haja uma experiência, por parte do mecânico, antes de abrir sua própria oficina. Por isso a reputação do profissional precisa ser muito boa. Pensar bem no local onde se situará o estabelecimento também é extremamente relevante, tendo em vista sempre as características de onde estão os clientes e sabendo que estes sempre buscarão por facilidades e transparência”.

Quanto à precificação do serviço, Reginaldo considera que é uma tomada de decisão séria, principalmente, se o mecânico que está abrindo a oficina não tiver conhecimento em gestão. Ele alerta o profissional para não cair na armadilha de que “o importante é ser barato” e criar a ilusão que oferecer o menor preço é uma boa escolha. “Baratear a mão de obra não é necessário. Na verdade, agregar o preço a um serviço bom é o verdadeiro ganho”, destaca. “O mecânico que passa a ser empresário precisa se posicionar como autoridade, para mostrar a qualidade de seu serviço e consequentemente trabalhar o preço como um resultado desse atendimento”.

Quando perguntado sobre o movimento do segmento de manutenção automotiva durante 2020, ano atípico devido à pandemia do Coronavírus, o analista do Sebrae reconheceu que houve uma união do setor, onde muitos fizeram parceiras para não fechar as portas. “Principalmente em regiões mais periféricas, as oficinas foram se juntando com o que tinham de melhor. Essas atitudes reduzem custo, mantêm a carteira de clientes e são métodos eficazes de sobrevivência para os negócios”, finaliza.

MAS COMO É A REALIDADE DE QUEM ABRIU UMA OFICINA DO ZERO?

Paulo Rodrigues, Centro Automotivo Clinicar

Nada melhor do que saber como é empreender do que com aqueles que fizeram isso em um período inabitual como o ano que passou. O mecânico Paulo Rodrigues, do Centro Automotivo Clinicar, localizado em Limeira/SP, conta que começou no setor como trocador de óleo. “Estou há quase 7 anos na área de mecânica automotiva. Trabalhei em uma autopeça e só depois fui de fato para uma oficina independente”. Mesmo diplomado pelo SENAI, Rodrigues conta que foi no dia a dia que conseguiu se identificar realmente com a profissão de mecânico.

Apesar de muito aprendizado em oficinas de terceiros, Rodrigues queria adotar práticas organizacionais que só um negócio próprio poderia contemplar. “Toda oficina em que eu trabalhava eu queria adotar coisas como checklist ou uso do osciloscópio. Esse foco de trabalhar como eu gostaria foi o que me impulsionou a cada minuto”, descreve.

Centro Automotivo Clinicar
Centro Automotivo Clinicar

Foi aí que nasceu a ideia de se tornar empresário. “Conheci uma pessoa que tinha me chamado para ser sócio da oficina dele, porém, por diferenças de formas de pensar, eu decidi realizar esse sonho de abrir a própria oficina sozinho”, conta Rodrigues. “Como eu já tinha algumas ferramentas, certo dia, sentei e comecei a fazer o planejamento do meu negócio. A estreia estava agendada para junho de 2020. Procurei um lugar, fiz a reforma com um pedreiro que é amigo meu e em julho de 2020 lá estava minha oficina, com apenas um mês de atraso”.

Paulo Henrique Paes, Mecânica Roncar
Paulo Henrique Paes, Mecânica Roncar

Seu xará, Paulo Henrique Paes, da Mecânica Roncar, localizada em Iguapé/SP, também viu que a melhor forma de exercer sua profissão de acordo com seus próprios métodos era por meio de uma oficina sua: “Infelizmente, no nosso setor há falta de uma regulamentação de trabalho e muitas vezes um ambiente agressivo. Não adianta você ganhar muito dinheiro, mas o ambiente ser péssimo, por isso decidi trabalhar para mim”.

Mecânica Roncar
Mecânica Roncar

Paes ressalta que suas experiências em todos os setores dentro da oficina ajudaram a constituir seu próprio negócio. “Trabalho desde os 15 anos como mecânico, hoje tenho 31. Quando adolescente, meu tio mecânico era meu espelho. Desde pequeno observei que ele sempre ajudava as pessoas de alguma forma com aquilo e eu queria fazer isso também. Na minha caminhada dentro de oficinas, trabalhei como ajudante, lavando peça, na organização e limpeza, e no meu último emprego fui encarregado. Fui adquirindo conhecimento com meus superiores para aprender cada vez mais. Sempre fui desafiado e isso fez com que eu fosse elevando cada vez mais meu conhecimento dentro desse mundo”, finaliza.

Vivência no segmento também foi de grande ajuda para o GR2 Consultório Automotivo. A oficina, localizada em Sorocaba/SP, pertence a José Ronario Lemos Vieira. O mecânico e empresário, que atua no segmento há 35 anos, já havia trabalhado em concessionárias da Ford, Citroën, Volkswagen, JAC, Jeep e Nissan.

José Ronario Lemos Vieira, GR2 Consultório Automotivo
José Ronario Lemos Vieira, GR2 Consultório Automotivo

Mesmo com as dificuldades, Ronario comenta que “na primeira semana da quarentena eu já estava com planos de montar minha oficina e em nenhum momento eu deixei a pandemia afetar isso. Com esse espírito empreendedor ‘arregacei as mangas’ e fui sem medo. Construí um galpão para alocar o negócio. E de lá para cá, faz três meses que a oficina está em pleno funcionamento e que estou tocando tudo sozinho”.

As perspectivas para 2021, por parte de Ronario, são muito boas. “Para mim, esse vai ser o melhor ano para as oficinas independentes. Estou conseguindo fazer uma boa divulgação boca a boca. Já até consegui um contrato com uma empresa, fazendo a manutenção em 5 carros continuamente. O que mostra que só há progresso pela frente no nosso segmento”, finaliza.

GR2 Consultório Automotivo
GR2 Consultório Automotivo

Nessa linha de otimismo, temos também Renan Gutierrez de Souza, da oficina Gutierrez, localizada em Pirituba/SP. Para ele, é preciso ter empenho em ver o negócio progredir, principalmente quando o empreendedor precisa estar à disposição de tantas responsabilidades quando abre sua oficina.

Renan Gutierrez de Souza, Oficina Gutierrez
Renan Gutierrez de Souza, Oficina Gutierrez

“Eu inaugurei a oficina no final de janeiro de 2020. Eu já tinha feito um investimento alto para o ferramental. Arrisquei muito para montar uma oficina completa. Nesse tempo percebi que nós, mecânicos, estamos preparados para uma área específica, porém quando empreendemos acabamos lidando com outras áreas”. Renan destaca que a partir do momento que você é o proprietário da oficina, você é responsável por tudo, não há ninguém para “chamar” quando há algum problema. “É ali que você tem que achar uma solução. E é aí que a gente se transforma de mecânico em gestor, quando a gente muda nossa forma de pensar”.

Oficina Gutierrez

Além do mindset de empresário, o mecânico precisa honrar cada trabalho executado em sua oficina, como destaca Luiz Moura da oficina LM Pit Stop, localizada em Várzea Paulista/SP. “Quando você abre seu negócio há uma grande dificuldade de fazer nome. Principalmente nesse ramo que, infelizmente, há muitos profissionais que não passam credibilidade. Por isso a gente precisa se diferenciar e mostrar nossa honestidade”, destaca.

Ao contrário dos outros entrevistados, Moura não começou como mecânico, mas sim como empreendedor fora do segmento automotivo. “Eu sempre quis abrir um negócio e vi que a mecânica independente era um negócio rentável”. Em busca desse objetivo, Luiz fez curso de mecânica automotiva, especializou-se em elétrica e injeção eletrônica, além de fazer curso de instalação de som e acessórios. “Já tentei abrir alguns tipos de estabelecimento, mas diferente dos outros, para a oficina eu tive um bom planejamento. É um nicho grande e cada vez mais será necessário”, finaliza.

Luiz Moura, Oficina LM Pit Stop
Luiz Moura, Oficina LM Pit Stop

Apesar dos “prós” para abrir a própria oficina, como o otimismo, planejamento e confiança no próprio potencial, os gestores e mecânicos enfrentaram dois “contras” em comum: a burocracia da documentação e a falta de “alguém” para guiá-los no quesito gestão. Reginaldo, analista do Sebrae, esclarece que o ideal é que o mecânico-empresário não fique refém do conhecimento de terceiros.

Oficina LM Pit Stop
Oficina LM Pit Stop

“Não é bom ficar na mão de outro profissional, como o contador, por exemplo. É necessário entender e estruturar você mesmo seu negócio. Pensar na rentabilidade da empresa. O Sebrae pode ajudá-los com orientações e cursos de empreendedorismo e gestão”. Por fim, ele explica que apenas a excelência profissional não garante o sucesso empresarial e “deixar de 1h a 2h pelo menos para ser gestor da sua oficina já é um excelente começo”.

 

PRINCIPAIS PROVIDÊNCIAS PARA ABRIR SUA OFICINA

 

• Registro da empresa na Junta Comercial com o CNAE principal que é (4520-1) Serviços de manutenção e reparação mecânica de veículos automotores;

• Inscrição na Receita Federal para obtenção do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ (www.receita.fazenda.gov.br);

• Se for contribuinte do ICMS (compra de autopeças para aplicação), registrar a empresa na Secretaria da Fazenda do Estado;

• Inscrição da empresa na Prefeitura para obtenção do Cadastro de Contribuinte do ISS;

• Registro na Previdência Social para inscrição da empresa no INSS (www.mpas.gov.br);

• Consultar o Procon para adequar seus produtos e serviços às exigências do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11/09/1990);

 

Texto: Raycia Lima
Fotos: Arquivo Pessoal

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