Qualificação e inovação

Paulo SKaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), faz uma análise da situação da indústria de veículos e autopeças no Brasil. Ele acredita que a turbulência da crise ainda não passou, mas para crescer, devemos continuar a investir em mão-de-obra qualificada e em inovação

 

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Revista O Mecânico: A Fiesp trabalha para que o Brasil seja uma grande potência na indústria. Nós já alcançamos esse status perante os países desenvolvidos?
Paulo Skaf: O Brasil já é reconhecido como uma grande potência internacional no campo dos negócios. Basta olharmos para como nossa economia modernizou-se nas últimas décadas e como nossa indústria é desenvolvida e diversificada. Quando nós, da Fiesp, promovemos rodadas comerciais pelo mundo ou quando recebemos delegações estrangeiras, sentimos que todos confiam na inovação e no crescimento da produção brasileira. Apenas no ano passado, mais de uma dezena de chefes de estado visitaram nossa sede e, desses encontros, nasceram muitas parcerias comerciais. Contudo, apesar de já despontarmos em vários setores, ainda há muito a fazer para que nosso País realmente tenha um lugar de destaque entre os países do chamado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Para isso, devemos exercer, cada vez mais, nossa diplomacia empresarial e traçar estratégias com foco em setores-chave, como em biocombustíveis, fontes renováveis de energia, nanotecnologia, siderurgia e a agroindústria de um modo geral.

 

O Mecânico: O ano de 2008 foi o melhor ano da indústria automotiva em todos os tempos, como foi nossa performance em relação ao cenário mundial de produção de veículos?
Skaf: O setor automotivo tem sido um dos mais castigados pela crise financeira mundial, mas, até outubro, a produção de veículos no Brasil estava em expansão, e encerramos 2008 com mais de 3 milhões de unidades fabricadas, ou seja, um crescimento acima de 8% em relação a 2007. Veja que, enquanto a produção mundial de veículos cresceu cerca de 40% nos últimos 10 anos, a produção brasileira aumentou em quase 90% no mesmo período e nos colocou entre os 7 maiores fabricantes do mundo. Já a produção norte-americana, por exemplo, caiu mais de 10%. Tudo isso mostra que o setor automobilístico brasileiro tem plenas condições de se desenvolver ainda mais e nos elevar no ranking mundial. O que devemos fazer é investir em mão-de-obra qualificada e em inovação sempre.

 

O Mecânico: No final do ano sofremos com quedas na produção de veículos e de autopeças por conta da crise financeira mundial. Essa turbulência já passou, agora que as vendas começaram a se estabilizar?
Skaf: A turbulência ainda não passou, nem no Brasil, nem no mundo. Apesar do impulso de crescimento da indústria automobilística nos primeiros meses deste ano, a crise não acabou. O crescimento sazonal foi suficiente apenas para recuperar as perdas verificadas desde o início da crise. Se compararmos a produção acumulada entre janeiro e fevereiro de 2009 com o mesmo período de 2008, veremos que a produção nacional de veículos caiu mais de 20%. Isto significa que se nos acomodarmos, o País sofrerá consequências mais graves. As autoridades nacionais precisam baixar a Selic mais rapidamente, continuar a incentivar o setor por meio de cortes nos impostos e fazer reaquecer a demanda nacional. Assim, é possível que, até 2010, o Brasil volte a crescer de maneira mais consistente.

 

O Mecânico: Qual é a expectativa da indústria brasileira no setor automotivo e de autopeças para esse ano? Vamos crescer?
Skaf: Gostaria de pregar otimismo, mas o fato é que o crescimento da indústria automobilística deverá acompanhar o ritmo da economia nacional como um todo. Talvez, seja até um pouco melhor devido aos incentivos do governo. Simulações feitas pela Fiesp mostram que, caso o BC siga com uma estratégia gradualista de queda da Selic e encerre o ano com uma taxa em 10,25%, o crescimento do PIB brasileiro ficaria bem próximo a zero, com probabilidade de recessão. Por outro lado, caso o governo reduza a taxa, por exemplo, para 8,5%, o PIB cresceria entre 1% e 1,5%.

 

O Mecânico: Na sua opinião, essa crise na indústria nacional é passageira? Quais as negociações com o governo em relação aos incentivos fiscais para que as montadoras continuem vendendo veículos?
Skaf: Esperamos que sim, mas, neste momento, seria uma irresponsabilidade dar um prognóstico sobre quando a atividade econômica reverterá o ciclo de baixa. No caso específico das montadoras, as medidas adotadas pelo governo federal como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), permitiram uma baixa de preços. No entanto, essas medidas têm caráter temporário e, por isso, lutamos juntamente com representantes do setor automobilístico para torná-las mais duradouras.

 

O Mecânico: Desde o ano passado foram demitidos vários empregados da indústria automobilística. Quais as medidas que podem ser tomadas para que essa situação se reverta?
Skaf: Nenhum empresário demite à toa. Custa muito caro recrutar, selecionar, admitir, treinar e motivar empregados. Um empresário é como um maestro de uma orquestra, não quer mexer no grupo para não desafinar. Infelizmente, a indústria automotiva tem sido uma das mais afetadas pelo desemprego, mas, num período anterior à crise, este foi um segmento que cresceu bastante. Neste momento, temos que nos unir e buscar saídas dentro da lei, como banco de horas e férias coletivas, para evitar o desemprego. A demissão deve ser o último recurso para manter viva a empresa e, assim, manter parte dos postos de trabalho.

 

O Mecânico: A crise financeira e as demissões anunciadas recentemente nos EUA surtirão ainda mais efeitos para os brasileiros, já que muitas fábricas instaladas aqui são multinacionais?
Skaf: Esperamos que os incentivos dados pelo governo, assim como a pujança do consumo interno, sejam suficientes para que o setor consiga atravessar a crise. Não estamos isolados, os efeitos da crise são globais. Contudo, devemos lembrar que o Brasil tem condições de atravessar essa turbulência com segurança maior que muitos países desenvolvidos. Nosso sistema bancário é saudável e tem ampla regulação e fiscalização. O sistema de crédito não está contaminado como na maioria dos países avançados e nossa demanda interna pode sustentar parte do crescimento econômico brasileiro. Tenho certeza que, com coragem e trabalho, venceremos mais esta tempestade.

 

O Mecânico: Muitos trabalhadores foram apenas colocados em férias coletivas. Existe um programa de incentivo para atualização desses operários enquanto eles não estão na linha de produção?
Skaf: O tempo poupado dos trabalhadores pode ser preenchido com cursos gratuitos de qualificação profissional. No Senai de São Paulo, por exemplo, oferecemos 100 mil vagas para trabalhadores que tiverem redução ou suspensão da jornada de trabalho. A indústria quer fazer sua parte e necessita da ajuda governamental para criar condições que propiciem a retomada do crescimento e a manutenção do emprego.

 

O Mecânico: A maioria da mão-de-obra capacitada que existe hoje na indústria automotiva nacional e na prestação de serviços para manutenção de produtos industrializados vem do SENAI?
Skaf: Tenho muito orgulho de participar do SENAI e do SESI de São Paulo, instituições pioneiras no conceito de Responsabilidade Social no Brasil e que simbolizam o compromisso da indústria com um projeto completo de educação ligado ao trabalho. Veja que mais de 80% dos alunos da rede SENAI de São Paulo saem da escola empregados. Nos cursos da área automotiva, esse índice sobre para 94%. São resultados muito expressivos e que mostram que nossa atuação está no caminho certo, que é aliar o ensino profissional do SENAI com educação básica do SESI.

 

O Mecânico: Qual a importância da parceria entre montadoras e fabricantes de autopeças com o SENAI? O que as indústrias oferecem para o SENAI em termos de capacitação profissional e equipamentos?
Skaf: A sinergia do SENAI de São Paulo com as empresas do mercado automobilístico tem sido sempre muito produtiva. A parceria permite uma contínua reciclagem dos professores e alunos do SENAI, por meio da transferência de novas tecnologias, veículos e equipamentos. O trabalho de qualificação do SENAI, por sua vez, produz pesquisas e inovações que beneficiam todo a cadeia automotiva.

 

O Mecânico: O SENAI também promove atualização profissional por meios dos cursos de formação. Para os pequenos empresários, como donos de oficinas mecânicas, qual a vantagem de investir nesses cursos para os seus funcionários?
Skaf: Dentre as diversas linhas de cursos, o SENAI-SP disponibiliza o de Formação Continuada, que são de curta duração, geralmente entre 60 e 120 horas. Concebidos de forma modular, esses cursos permitem, por meio de uma grade curricular, a preparação básica e também a atualização técnica dos profissionais do setor de reparação. Já para o empregador, a vantagem é a possibilidade de criar profissionais constantemente qualificados e bem preparados para o exercício da ocupação.

 

O Mecânico: O SENAI tem escolas de mecânica de veículos espalhadas por todo o Brasil. O que essas escolas podem oferecer para o estudante?
Skaf: A rede SENAI possui no seu território nacional 150 unidades que atuam na área automotiva. As escolas são estruturadas de acordo com os recursos disponibilizados pelos diferentes departamentos regionais, que avaliam o parque industrial local e realizam os investimentos para o atendimento da demanda. Existem diferenças de ofertas pelas Escolas, mas 113 oferecem qualificação profissional por meio do Curso de Aprendizagem Industrial (que são gratuitos), 26 têm Curso Técnico em Automobilística (no caso de São Paulo esses cursos também são gratuitos) e 163 Cursos de Formação Continuada (para mais informações consulte o site: www.senai.br).

 

O Mecânico: Como o SENAI pode ajudar a reaquecer o mercado de reposição de autopeças?
Skaf: Trabalhamos com a certeza de que os cursos profissionalizantes do SENAI podem contribuir para a elevação da competitividade da indústria brasileira. No caso do mercado de reposição, um profissional melhor preparado e munido de informações técnicas realiza as substituições de peças de forma mais criteriosa. E é por meio de um serviço mais qualificado que o consumidor, o proprietário do veículo, sente a importância deste trabalho e torna-se mais consciente da necessidade das manutenções preventivas e não somente as corretivas.

 

O Mecânico: Qual a relação entre a FIESP e o SINDIREPA-SP?
Skaf: O Sindirepa tem um papel muito importante e que ultrapassa seu papel em benefício das empresas associadas. Vemos que seu engajamento com a orientação e serviços ao consumidor tem sido muito forte e vão ao encontro dos ideais de desenvolvimento sustentável defendido pelo Sistema FIESP.

 

O Mecânico: Na sua opinião, a inspeção veicular ambiental implantada desde o ano passado vai melhorar a qualidade de ar de São Paulo e ainda movimentar o mercado de reposição e o fluxo nas oficinas?
Skaf: É o que se espera, pois o programa está bem estruturado. O SENAI de São Paulo teve participação intensa nesse processo, pois todos os profissionais que atuarão nas linhas de inspeção foram preparados pela entidade. A expectativa é de que a ação gere uma ampliação natural do movimento tanto nas oficinas, quanto no comércio de reposição de peças.

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