Manutenção preventiva de eletrificados: suspensão e freios

 

A imagem do futuro automotivo, com carros silenciosos e tecnológicos, já estacionou na porta das oficinas brasileiras. Conforme André Brezolin e Mário Bandeira, com uma frota que ultrapassa 480 mil veículos e vendas que podem chegar a 200 mil unidades apenas em 2024, ignorar os eletrificados não é mais uma opção. O receio inicial, muitas vezes focado no risco de choque elétrico, tem impedido muitos profissionais de realizar serviços básicos e seguros, como a manutenção de suspensão e freios.

A verdade, no entanto, é que a maior parte desses procedimentos não envolve intervenção direta nos sistemas de alta tensão. O verdadeiro desafio não está no perigo, mas na compreensão das novas lógicas de funcionamento e desgaste desses componentes. Oficinas que dominarem esses conceitos sairão na frente, capturando um mercado que muitos, por falta de informação, ainda dispensam.

À primeira vista, um pivô ou um amortecedor de um carro elétrico não parece diferente de um convencional. A mudança fundamental, no entanto, está na carga que esses componentes suportam. O conjunto de baterias adiciona um peso extra de 200 a 500 quilos ao veículo, alterando seu centro de gravidade e submetendo toda a estrutura da suspensão a um estresse muito maior.

Pontos de Atenção na Prática

Desgaste Acelerado: O sobrepeso impacta diretamente a vida útil de buchas, coxins, batentes e amortecedores. Durante a inspeção, a busca por folgas, fissuras e ressecamento deve ser ainda mais criteriosa. Veículos como os da Tesla, por exemplo, já apresentam um histórico conhecido de desgaste prematuro em braços oscilantes.

Componentes Específicos: Não há espaço para adaptações. Molas e amortecedores de eletrificados possuem calibração e carga específicas para garantir a segurança e a dirigibilidade. A aplicação de uma peça de um modelo a combustão, mesmo que pareça compatível, comprometerá todo o conjunto.

O Diagnóstico pelo Silêncio: A ausência do ruído do motor torna qualquer barulho na suspensão extremamente perceptível para o motorista. A oficina se torna, mais do que nunca, um centro de diagnóstico. A habilidade de identificar a origem de rangidos e batidas será um serviço altamente valorizado, transformando o que era uma simples troca de peças em uma análise técnica aprofundada.

Freios

É no sistema de freios que reside a maior mudança de paradigma para o reparador. Embora discos e pastilhas ainda estejam lá, sua função e, principalmente, sua manutenção, foram reinventadas.

O sistema de frenagem regenerativa, que usa o motor elétrico para desacelerar o carro e recarregar a bateria, é responsável por até 70% das frenagens em uso normal. Isso significa que o sistema hidráulico convencional atua muito menos. No entanto, ele precisa estar dimensionado para a pior situação possível: uma frenagem de emergência ou quando a bateria está 100% carregada, momentos em que a regeneração não atua e o freio hidráulico é o único responsável por parar o veículo.

A grande mudança é a substituição do hidrovácuo por atuadores e motores elétricos gerenciados por um módulo central – o chamado sistema “Brake-by-Wire”.

Procedimentos Críticos

A troca é por tempo, não por desgaste: Com o baixo uso, as pastilhas podem durar mais de 100 mil km, mas isso não significa que estão em bom estado. A falta de atrito favorece a oxidação de discos e a contaminação e cristalização das pastilhas. A substituição passa a ser indicada por tempo ou por degradação visual (corrosão, trincas), seguindo o plano de manutenção do fabricante, e não mais apenas pela espessura do material de atrito.

Fluido de Freio LV (Baixa Viscosidade): Muitos modelos exigem fluidos de freio específicos, como o DOT 4 LV ou DOT 5.1. Sua baixíssima viscosidade é crucial para a resposta ultrarrápida dos atuadores eletrônicos dos sistemas de ABS e controle de estabilidade. O uso do fluido incorreto pode comprometer a performance e a segurança.

Sangria: Jamais sangre o freio de um híbrido ou elétrico pelo método “bombar o pedal”. Isso pode danificar o atuador elétrico do sistema. O procedimento correto deve ser realizado de duas formas:

  • Via Scanner – O equipamento comanda o módulo de freio para acionar a bomba e pressurizar o sistema, permitindo a sangria segura em cada roda.
  • Com Ferramenta a Vácuo – A sangradora a vácuo é uma alternativa eficaz e segura, que permite realizar o serviço sem a necessidade de pressurizar o sistema eletronicamente.

    Pastilhas com Formulação Especial: As pastilhas para eletrificados são projetadas para duas condições extremas: ter um altíssimo coeficiente de atrito a frio (para responder em emergências) e gerar o mínimo de ruído, já que o silêncio a bordo expõe qualquer assobio ou vibração.

Como começar?

A entrada nesse mercado é mais simples do que parece. O primeiro passo é a mudança de mentalidade e a busca por conhecimento.

Capacite-se: Invista em cursos sobre os fundamentos de veículos eletrificados. Entender o conceito da chave de segurança Interlock, por exemplo, é o ponto de partida para qualquer intervenção segura.

Adequação do espaço: Para iniciar, não são necessárias obras complexas. A norma de segurança pode ser atendida com medidas simples: delimite uma área de trabalho exclusiva para eletrificados com cones ou correntes e utilize placas de sinalização de “Risco de Choque Elétrico”.

Ferramentas essenciais: Além do seu ferramental de qualidade, o kit inicial para evoluir nesse segmento inclui um scanner atualizado com funções para eletrificados, um multímetro CAT III e, futuramente, um jogo de ferramentas isoladas (1000V).

O recado do mercado é claro, a manutenção automotiva está se tornando cada vez mais um exercício de diagnóstico e conhecimento técnico, e menos de força bruta. Os profissionais que abraçarem a eletrificação agora não estarão apenas consertando os carros do futuro, mas garantindo a relevância e o sucesso de suas próprias oficinas.

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