Nessa coluna Diego se aprofunda nos princípios que determinam o sincronismo de um motor de 4 tempos ciclo Otto

Artigo por Diego Riquero Tournier fotos Arquivo Bosch
Nesta entrega, vamos aprofundar nos princípios que determinam o sincronismo de um motor de 4 tempos ciclo Otto, para este objetivo, tomaremos como referência o diagrama de distribuição de válvulas o qual é de extrema importância para a obtenção de um alto rendimento em um motor das mencionadas caraterísticas.
Os técnicos automotivos conhecem muito bem os prejuízos que podem ser causados em um motor de caraterísticas construtivas conhecidas como de interferência de válvulas; principalmente quando esses motores perdem o sincronismo entre as arvores de comando e o virabrequim, ocasionando a colisão dos pistões com as válvulas; mas, antes de chegar em uma situação tão extrema como a de colisão de válvulas, a ideia é compreender como pequenos desvios em graus de sincronismo do motor, assim como, pequenos desgastes nos componentes moveis do trem válvulas, podem ocasionar perdidas consideráveis no desempenho.
Para isso, nada melhor do que “mergulhar” nos fenômenos mecânicos relacionados ao movimento sincrônico de um diagrama de distribuição de válvulas, e as respectivas influências que se manifestam nas pressões e temperaturas internas do motor, especificamente falando da transformação energética que acontece dentro de uma câmara de combustão.
A figura 1 mostra um diagrama de pressões correspondente aos 4 ciclos de funcionamento de um motor ciclo Otto.
Desta forma, é possível identificar a relação entre os graus de giro do virabrequim, o que determinará o curso lineal dos pistões, os momentos de apertura e fechamento de válvulas, e as respectivas variações de pressão expressadas em (bar), no gráfico da direita.
Para cada ciclo de funcionamento é possível ver representado no gráfico, um traço definido como um trajeto o qual apresentará caraterísticas especificas a nível de pressões; por exemplo: se juntamos os pontos a partir do traço formado entre a referência (a), e a referência (b), estaremos diante do ciclo de admissão, o qual mostra uma caraterística de trabalho em pressões negativas.
Toda medição apresentada no gráfico acima com um valor inferior a P0 (pressão Atmosférica), representará uma depressão (vácuo); outro fator que podemos identificar neste gráfico, são os ciclos de trabalho identificados como trabalho positivo (W+), e trabalho negativo (W-).
O conceito de trabalho positivo e negativo, leva em consideração os ciclos do motor que representam o conceito de geração de energia ou de consumo de energia, estando claro na representação de pressões que, tanto no curso de admissão quanto no curso de escapamento, as curvas entram na zona de trabalho negativo (W-), por serem considerados ciclos de consumo de energia.
Seguindo as linhas do gráfico e juntando os pontos (b->c), observaremos o ciclo de compressão, no qual, um pouco antes de chegar no ponto morto superior (PMS), será possível identificar o momento da ignição o qual nos conduzirá a junção dos pontos (c->d), correspondente à expansão (curso útil do motor), finalizando desta forma, com o quarto e último ciclo (d->e), correspondente ao escapamento.
As nomenclaturas que definem os mementos de abertura e fechamento de válvulas, serão analisados com detalhes funcionais nos próximos gráficos.
Ciclo de Admissão:
No ciclo de admissão (a; b), representado na figura 2, é possível identificar que o início do mesmo acontece de forma antecipada ao PMS; no exemplo da figura acima o momento de abertura das válvulas de admissão se inicia 9° antes do PMS, estabelecendo o que se conhece como:
AAA (Avanço de Abertura de Admissão), assim como em outras correções dinâmicas do ciclo teórico do funcionamento de um motor, o AAA tem como principal objetivo o incremento do rendimento volumétrico do motor, ou seja, permitir a entrada da maior massa de ar possível ao cilindro.
Para este fim, o diagrama de distribuição de válvulas, estará determinado com base no melhor equilíbrio possível entre fluxo de Ar e pressões reinantes na câmara de combustão, coletor de admissão e coletor de escapamento.
Especificamente o avanço de abertura de admissão (AAA), se utiliza para abrir a válvula de admissão antes do PMS, permitindo um melhor enchimento do cilindro por efeito de inercia do fluxo de ar (mistura de Ar combustível), presente no coletor de admissão; adicionalmente, manter um tempo de admissão prolongado, é uma forma de garantir o ingresso da mistura explosiva por mais tempo no cilindro; este fenômeno, vale para a duração total do ciclo de admissão, ou seja, a composição dos 9° de avanço de abertura da válvula, somados aos 180° do ciclo teórico da admissão, mais os 37° do Atraso de Fechamento da Admissão (AFA), totalizando um ciclo de admissão de 226°.
É importante ressaltar que, os valores apresentados no diagrama de distribuição acima, devem ser considerados como valores simbólicos já que, cada motor possui valores de distribuição de válvulas definidos pelo fabricante, para o projeto específico de motor.
Esta variação de avanço ou atraso do movimento das válvulas, sempre estarão definidas por fatores geométricos do motor, dimensionamento de válvulas e coletores, assim como, altamente dependentes do regímen de giro do motor (RPM).
Incrementar valores de avanço ou atraso nas válvulas de admissão, além do especificado pelo fabricante, acabará provocando contrapressões no coletor de admissão, afetando de forma negativa o funcionamento e rendimento volumétrico do motor.
Ciclo de Compressão:
Observando a figura 3, podemos identificar o incremento da pressão interna na câmara de combustão durante a trajetória (b; c), resultante do deslocamento do pistão em forma ascendente na direção do PMS com as válvulas fechadas; esta ação determinará o incremento da pressão e temperatura dos gases (mistura explosiva), caracterizando desta forma o ciclo de compressão.
O ciclo de compressão levando em consideração apenas o ciclo teórico, se inicia no PMI (ponto morto inferior do pistão), mas na prática, tomando como exemplo a figura acima, o ciclo de compressão inicia a 37° depois do ponto morto inferior, quando a válvula de admissão se fecha novamente (AFA).
Este conceito de atraso no fechamento da válvula de admissão, permite um melhor fluxo de entrada dos gases limpos, ao aproveitar a inercia dos mesmos durante processo de admissão, e longe de provocar inconvenientes resultantes da perdida de curso útil do pistão no ciclo de compressão ao ceder 37° de giro do virabrequim, diminui a resistência ao avanço do pistão no início do deslocamento ascendente em direção do PMS.
Ainda no trajeto (b; c), alguns poucos graus antes do PMS, acontece a ignição (faísca na vela de ignição), fenômeno que eleva tremendamente a pressão e temperatura ao encender a mistura explosiva dando início ao próximo ciclo.
Ciclo de Expansão:
Trata-se do ciclo útil por excelência do motor, ou seja, o momento de liberação de energia resultante da combustão, o qual do ponto de vista mecânico desde a perspectiva do ciclo prático será o mais curto em graus de giro do virabrequim, conforme a figura 4, durante o curso descendente do PMS para o PMI, as duas válvulas permaneceram fechadas por aproximadamente 145° de giro.
Um dos principais objetivos da antecipação da abertura da válvula de escapamento um pouco antes de chegar no PMI, responde ao fato de que próximo do final do curso do pistão durante o ciclo de expansão, praticamente toda a energia disponível já foi liberada e consequente pressão de deslocamento já foi aplicada sobre a cabeça dos pistões; desta forma, o que se obtém como resultado ao abrir antecipadamente a válvula de escapamento, é a liberação da pressão e temperatura contida dentro do cilindro e a câmara de combustão.
Ciclo de Escapamento:
Como fica em evidência na figura 5, o ciclo de escapamento se inicia com um avanço considerável de 35° (AAE), o qual como mencionamos anteriormente, tem um papel fundamental para a liberação antecipada da pressão e temperatura resultante da combustão, preparando o movimento ascendente do pistão na direção do PMS para obter a melhor opção de varrido dos gases de escapamento.
Os gases de escapamento também acumulam uma inercia no fluxo de saída, efeito criado com a abertura da válvula de escapamento, e para manter este fluxo com a maior velocidade de gases possível, o diagrama de distribuição atrasa o fechamento da válvula de escapamento (AFE), como pode ser apreciado na figura acima; neste caso, com 9° de giro do virabrequim.
Cruzamento de válvulas:
Até o momento analisamos os ciclos de um motor 4 tempos de forma independente e desde a perspectiva do acionamento das válvulas, mas, quando o conjunto opera em simultâneo e em sincronismo, existem fenômenos relacionados às pressões e dinâmica dos fluidos que são profundamente estudados pelos fabricantes, sempre com o objetivo de obter a maior eficiência volumétrica.
Observando a figura 6, é possível identificar que existe um momento no qual as duas válvulas (Admissão e Escapamento), permanecem abertas; esta condição é conhecida como cruzamento de válvulas, em um primeiro momento, e analisando desde a perspectiva do ciclo teórico, esta situação poderia parecer contraproducente, mas, a logica da mesma, deve ser compreendida a partir do comportamento dinâmico dos fluidos (para o caso, gases de admissão e gases de escapamento), os quais precisam de um determinado tempo para estabelecer um fluxo continuo e uma elevada velocidade e constante, para permitir o maior ingresso de ar de admissão, ou realizar o varrido dos gases de escapamento.
Na figura acima, é possível ver como é aproveitado o final do curso de escapamento mantendo a válvula aberta (AFE), permitindo que a velocidade do fluxo dos gases que estão saindo da câmara de combustão, gere uma condição de vácuo ou atração dos gases limpos da admissão, os quais favorecidos pelo avanço da abertura da válvula de admissão (AAA), entram antecipadamente na câmara de combustão incrementando a capacidade de enchimento do cilindro.
Para o caso do exemplo acima, a somatória do AAA de 9° com os 9° do AFE, totaliza um cruzamento de válvulas de 18°.
O recurso do cruzamento de válvulas, é utilizado praticamente por todos os fabricantes de motores, variando na quantidade de graus conforme cada projeto.
Quanto maior for o regime de giro do motor (RPM), a tendência é aumentar a permanência da condição de cruzamento de válvulas, já que, os tempos necessários para encher os cilindros, ficam mais curtos conforme aumentam as RPM.