A tecnologia embarcada, mudanças nas leis, mão de obra escassa são alguns dos problemas que o mecânico enfrenta e torna a profissão desafiadora
Texto: Edison Ragassi e Fernando Lalli
Uma profissão que exige dedicação, comprometimento e constante busca por atualização. Assim podemos definir o mecânico de automóveis. Para José Natal da Silva, há 27 anos proprietário do MEGA CAR Centro Técnico Automotivo de São Paulo, “toda a profissão bem trabalhada vale a pena”. Atualmente, além de gerenciar com os três filhos o Centro Automotivo, é o presidente do GOE- Grupo de Oficinas Especializadas.
Natal considera que o mecânico de automóveis precisa ser valorizado. “Antigamente, a impressão que as pessoas tinham do mecânico era da pessoa que não conseguiu estudar e por isso foi ser mecânico. Quando falávamos em mecânico a primeira imagem que vinha na cabeça era do sujeito com macacão e as mãos sujas de graxa, pronto para enganar o cliente”, lembra ele.
A reflexão de José Natal é correta, nos anos de 1980, uma companhia petroleira lançou fascículos para ajudar os proprietários dos veículos a cuidar melhor do carro. Na campanha em rede nacional para divulgar o fascículo, o que auxiliava a encontrar uma boa oficina, o ator que fazia o papel de mecânico, diagnosticava o problema do carro de uma mulher como defeito na “rebimboca da parafuseta”. Ações como esta ajudaram a denegrir a imagem do mecânico.
Nos dias de hoje, Natal explica que o profissional deve ser high tech. “A eletrônica embarcada nos carros obriga o mecânico também a ser técnico, não é qualquer pessoa que pode exercer a profissão. São 10, 20, 30 módulos ligados em rede por dois fios, não é qualquer um que faz o diagnóstico”, argumenta.
Ele fala que, “em qualquer profissão, existe o profissional honesto e o desonesto. O mesmo ocorre com o cliente, é comum ele entrar na oficina, deixar o carro para fazer um serviço e depois volta para reclamar de outro que nem foi feito. Em contrapartida, eu tenho cliente que enviou carta agradecendo os serviços prestados e isso me deixa orgulhoso”.
Sobre os 27 anos como proprietário de oficina no mesmo endereço, Natal não se arrepende, “eduquei meus filhos, tenho casa própria e consegui conquistar meu espaço”, afirma.
Dificuldades para expandir o negócio
Claudio Marinho Guedes, deixou o mundo corporativo, era executivo em uma empresa, e há 25 anos dedica-se em São Paulo a Autotoki – Centro Automotivo, seu sócio é o irmão Clóvis Marinho Guedes. O sentimento empresarial de Cláudio é que a oficina mecânica como negócio gera mais satisfação pessoal do que financeira. “Ter uma oficina exige muito, você tem que estar presente, acompanhar, fazer o serviço, pois, é difícil encontrar profissionais especializados para gerenciar. A responsabilidade é grande, pois um serviço feito de maneira errada pode causar acidente e matar os ocupantes do carro”, alerta.
O diretor da Autotoki procurou expandir o negócio, “eu abri uma outra oficina, tentei gerenciar as duas, mas não foi possível, pois tinha que estar presente nas duas. Ou seja, não dá para fazer como em uma lanchonete que você abre franquias e espalha pelo país”, afirma ele.
Em qualquer ramo de atividade, o atendimento é fundamental. Ele é que determina o grau de sucesso ou fracasso. “Uma oficina precisa de pessoas boas e qualificadas, só assim você consegue satisfazer o cliente. E, no nosso segmento, quando o profissional é bom, depois de adquirir experiência, ele ai montar oficina própria, por isso é difícil expandir. Porém, apesar dos percalços, a satisfação de ver o cliente feliz com o serviço que foi prestado é muito gratificante”, declara.
Exemplo da dedicação que a profissão exige é mostrado por Alberto Martinucci da Motrfast de São Paulo. Formado em administração de empresas, em 1995 deixou a indústria em que trabalhava e comprou com o pai a oficina. “Eu sempre gostei de mecânica de automóveis, quando surgiu a oportunidade, garrei. Passei a fazer cursos no SENAI para adquirir conhecimento técnico, e lá percebi que havia espaço para a especialização na linha francesa que começava a entrar no Brasil”, relata.
Martinucci foi buscar conhecimento e especializou-se nos veículos Renault, Peugeot e Citroën e hoje é reconhecido como um dos melhores especialistas do mercado. “Para isso, uma vez por ano viajo ao exterior em busca de novas tecnologias, informações técnicas, participo de feiras e eventos relacionados ao setor, esta é a maneira de manter-me atualizado, e atender bem o cliente”, explica.
Atualmente, Alberto Martinucci trabalha com o filho, Bruno Martinucci, ele fala que para ser mecânico e dono de oficina é necessário ser persistente, “estamos na terceira geração no comando da oficina, e para isso não pode desistir no primeiro obstáculo que encontrar, tem que persistir, buscar conhecimento, atualizar-se, assim o negócio fica prazeroso e gratificante, completa Martinucci.
Momento difícil
Presidente do Sindirepa do Paraná, o mecânico Wilson Bill é proprietário da Auto Mecânica Bill em Curitiba/PR. Sua experiência como empresário do setor não permite esconder que o momento é complicado para quem pretende investir em sua própria oficina. “O mercado mudou muito, inchou demais. Todo mundo quer ser empresário e quer ser dono do negócio”, declara Bill. Ele calcula que pelo menos 70% do mercado de reparação seja informal.
Além do alto investimento em informação e equipamentos que uma oficina moderna exige, Bill ainda cita os problemas em conseguir informações sobre os novos veículos e tecnologias que chegam ao mercado. “Nós temos mais um agravante hoje, um concorrente ferrenho, que é a própria montadora, que quer vender peça, e que está bloqueando e delimitando a informação”, argumenta o mecânico. “Chega uma hora em que você realmente se questiona: vale a pena continuar no mercado?”, lamenta.
Quem relata que a manutenção do negócio não tem sido nada fácil é Renê Rubbo de Moraes Pereira Junior, atualmente dono da oficina Rubbo Junior em Niterói/RJ. Mecânico desde os anos 90, depois de ter passado por concessionárias, ele abriu sua oficina em casa e a manteve por 14 anos. Há dois, decidiu regularizar o negócio abrindo uma pessoa jurídica e agora encara a carga tributária, o aluguel do galpão e as despesas com funcionários. “Só não quebrei ainda porque tenho muitos clientes”, contou.
Oficinas têm que evoluir na gestão
Wilson Bill vê que a grande oportunidade para as oficinas está na melhoria da gestão do negócio. “Tenho falado para os associados (do Sindirepa-PR) que é a hora de dar uma boa selecionada no perfil do cliente que você quer atender, valorizar a mão de obra qualificada que vocês têm, pagar melhor o profissional, e cobrar o preço justo que vale pelo serviço. Não adianta querer atender todo mundo que não pode pagar pelo serviço”, avalia.
Na opinião do mecânico paranaense, que gerencia seu negócio há 40 anos, se a oficina não tiver uma administração boa, não vai se manter no mercado. “Hoje, quem quiser sobreviver tem que vender no cartão de crédito e no pagamento à vista. Vender com cheque, com duplicata ou boleto, é um risco muito grande. O pessoal reclama: ‘ah, mas cartão é caro’. Oras, embute no preço. Tem que repassar”, aconselha.
As oficinas independentes ainda têm a vantagem do custo mais baixo em relação às concessionárias. “Grande parte das oficinas estão enquadradas no Simples, têm um imposto mais barato e conseguem se manter”, aponta Bill. “Mas elas têm que ter o equilíbrio do custo operacional dela bem detalhado, porque ela não pode apostar na sonegação nem na falta de registro do funcionário, que esse é um risco que ela pode se quebrar numa ação trabalhista”, adverte.
Ainda vale a pena?
Independentemente das dificuldades em manter o negócio em tempos de crise, profissionais experientes ainda consideram que a mecânica automotiva é uma profissão apaixonante, mas quem pretende ingressar no mercado tem que gostar – e mais importante do que isso, vontade de estudar.
Instrutor e consultor técnico no Centro de Treinamento Automotivo do Amapá, o mecânico Osmídio Pereira Neto, da cidade de Buritizal/AP, afirma que, sim, ainda vale a pena ser mecânico, mas a exigência por conhecimento aumenta a cada dia. “Tem que estudar, tem se se aperfeiçoar, tem que fazer treinamento, estar em palestras, não perder a oportunidade de estar ligado a todos os assuntos de mecânica. Eu sempre costumo contar que, antigamente, a minha mãe dizia: ‘tu não quer (sic) estudar? Vai para uma oficina mecânica, vai aprender mecânica’. Hoje é o contrário, para ser mecânico você tem que estudar”, relata.
Quem faz coro a Osmídio é Renê Junior, do Rio de Janeiro. “Quando eu comecei nesse ramo, em concessionária, tinha um camarada que só mexia em freio,
o cara que só mexia em motor, o cara que só mexia em elétrica, o outro só fazia regulagem. Hoje, não. O mecânico tem que ser completo, fazer tudo. O cara tem que se preparar muito para ser mecânico e não um ‘mexânico’. Tem que gostar do que faz e ser honesto”.
Wilson Bill avisa aos jovens postulantes à profissão: mecânico tem que ter vocação para o trabalho. “Tem que gostar e saber que não é uma profissão que ele vai ficar milionário. Dá para ele ter um bom padrão de vida, dá para fazer um patrimônio, dá para trabalhar honestamente, dá para ganhar dinheiro, desde que ele saiba o que está fazendo”.
Para quem gosta de carro, a mecânica automotiva ainda é um ofício ao qual compensa se dedicar, complementa Bill. “É aquela profissão que você sente prazer de descobrir um defeito, resolver o problema. Se for o caso de lataria e pintura, de pegar o carro todo detonado e deixá-lo impecável. Faz você sentir amor pela profissão que você tem”.
O mecânico tem a mesma importância que um médico na família. Ele é o responsável por manter o veículo em ordem e assim cuida da segurança das pessoas. Pode não ganhar muito dinheiro, não ter o reconhecimento necessário, mas com certeza, sente muita satisfação ao realizar o seu oficio.
Parabéns, mecânico, pelo seu dia!