Escolhido para nortear o futuro da categoria americana, o novo carro da Indy traz novos desafios para equipes e pilotos decifrarem a cada curva
Texto: Fernando Lalli
Fotos: Divulgação
Quando a tragédia se abateu sobre a última etapa da temporada de 2011 da Formula Indy, em Las Vegas, muitos apostavam que a categoria nunca conseguiria se refazer. A morte do piloto inglês Dan Wheldon foi uma das cenas mais chocantes produzidas na história do automobilismo mundial. Um acidente que envolveu 15 carros que corriam acima dos 300 km/h. Uma tragédia anunciada pelos próprios pilotos, que nos treinos apontavam para o perigo que aquele oval apresentava, considerando o grid de 34 carros, com alguns pilotos jovens, inexperientes e afoitos demais para aquelas condições de velocidade intensa.
Dan Wheldon durante a apresentação
do novo modelo da Dallara em Indianapolis
Dan Wheldon, 33 anos, já não era mais um jovem, muito menos inexperiente. Campeão em 2005, mas sem equipe para disputar a temporada completa de 2011, o piloto inglês foi contratado pela Dallara, tradicional fabricante de monopostos, para desenvolver seu novo projeto de carro para a Indy, escolhido entre algumas propostas revolucionárias (algumas revolucionárias demais) para renovar a categoria. O modelo da fábrica italiana, a princípio, não tinha um nome definitivo.
Durante o ano de 2011, Wheldon rodou mais de 3 mil km em testes privados com o novo carro. A bagagem técnica de conhecimento do modelo (e uma vitória inesperada nas 500 Milhas de Indianápolis) levou a negociações com a equipe Andretti, e provavelmente o inglês seria o piloto deste time na temporada 2012. Antes, porém, veio o convite para participar da corrida em Las Vegas, na qual concorreria sozinho a um prêmio de 2,5 milhões de dólares caso fosse o vencedor, já que não disputava a temporada regular. Largaria em último, atrás de outros 33 carros. Na volta 12, já estava na 24ª colocação. Então veio o acidente.
Em sua homenagem, a Dallara batizou o modelo de DW 12. As iniciais do nome do piloto que ajudara a desenvolver o carro que, em 2012, inaugura uma nova era na Formula Indy. Uma era que se vê obrigada a apagar as imagens de Las Vegas da memória do automobilismo e evitar que a crise caia sobre a categoria.
Tudo novo
O DW 12 é o primeiro modelo da Dallara para a Indy totalmente novo desde 1997. Feito inteiramente em fibra de carbono, o novo chassi tem 5.012 mm de comprimento e 2011 mm de largura. Sem o motor, pesa 626 kg, 84 kg a menos que o seu antecessor, o IR07, utilizado até 2011 e fabricado pela mesma Dallara. O peso mínimo do carro completo é de aproximadamente 710 kg.
Acima de tudo, o conceito que norteia o projeto é a segurança, tanto ativa quanto passiva. Isso se reflete em todo o seu conjunto aerodinâmico – distinto para circuitos ovais e mistos, mas que compartilha soluções como os “pods” laterais e traseiros, que funcionam como para-choques para evitar acidentes com decolagens de carros uns sobre os outros, algo que vinha sendo uma incômoda constante nas corridas da Indy dos últimos anos. O efeito-solo vem através do trabalho das asas em conjunto com o assoalho.
Inicialmente, a IndyCar (que representa a organização da categoria) queria que as equipes comprassem o chassi da Dallara e tivessem à disposição no mercado diversos pacotes aerodinâmicos (toda a carenagem externa, não só os aerofólios) feitos por fabricantes independentes, o que reduziria custos para as equipes e traria diferentes soluções para aumentar a competitividade e a imprevisibilidade das corridas. Chevrolet e Lotus chegaram a assinar o contrato para fornecer pacotes aerodinâmicos, mas a categoria decidiu adiar essa medida para 2013. Esses pacotes deveriam custar às equipes, no máximo, 70 mil dólares.
Com o conjunto aerodinâmico original da Dallara, o carro dividiu opiniões sobre o seu design. O tetracampeão Dario Franchitti, da equipe Ganassi, declarou que espera ver carros mais bonitos quando vierem os pacotes aerodinâmicos independentes. Mas quem certamente está feliz são os patrocinadores, já que as grandes áreas planas permitem boa visualização das marcas. E quando a combinação de cores é feliz, o DW 12 fica especialmente bonito, pelo menos na opinião deste jornalista, como nos casos da pintura de Helio Castroneves com a marca Shell.
Na época do lançamento do projeto, em 2010, foi anunciado pela IndyCar que cada conjunto de chassi (cockpit, suspensões e uma opção de bico) custaria 349 mil dólares, enquanto o carro completo deveria valer algo entre 385 mil dólares, quase 45% mais barato que o IR07, que era vendido às equipes pelo preço de 700 mil dólares a unidade.
A volta do turbo
A filosofia do powertrain do DW 12 é completamente diferente de seu antecessor. Substituindo os antigos 3.5 V8 aspirados, fornecidos exclusivamente pela Honda, estão os novos motores V6 turbinados de 2,2 litros, fabricados por três marcas: Honda, Chevrolet e Lotus. As três marcas entraram na competição por meio de seus braços esportivos e parcerias. A Honda vem por sua divisão Honda Performance Development, enquanto a Chevrolet trabalha junto com a Ilmor Engineering e a Lotus é representada pela Engine Developments, que tem John Judd como principal engenheiro. Tanto Judd como a Ilmor já fizeram motores até para a Formula 1.
Os três novos propulsores possuem 2200 cilindradas, ainda que o regulamento permita motores até 2,4 litros. Na admissão, os turbos são BorgWarner (simples no Honda, duplo nos Chevrolet e Lotus) com pressão máxima de 1,5 kg. A injeção é direta, com dois injetores por cilindro, e o combustível é o etanol E85, popular nos Estados Unidos. São permitidas quatro válvulas por cilindro, mas acionadas mecanicamente e sem comando variável, recurso comum em carros de rua, hoje. A Unidade de Comando de gerenciamento eletrônico do motor é comum a todos os motores e é fabricada pela McLaren.
A rotação máxima do motor permitida é de 12 mil giros e o consumo estimado é de aproximadamente 0,78 km/l – ou seja, economia não é um ponto forte do DW 12. Mas estes números acabam se justificando na potência desenvolvida, que fica entre 550 e 700 cv. Esta variação, segundo a categoria, permite ajustes e opções de mapeamento eletrônico para adequar melhor o carro aos diversos tipos de circuitos nos quais a Indy promove suas etapas, de mistos a ovais. O torque máximo estipulado é de aproximadamente 406 Nm.
Para evitar que grandes fabricantes de motores entrem na categoria e tirem proveito de altos orçamentos em pesquisas para obterem uma vantagem desleal em relação aos pequenos fabricantes, o regulamento proíbe o uso de materiais exóticos nas peças que compõem o propulsor. É proibido o uso de ligas que contêm mais do que 3% de berílio, irídio ou rênio, assim como compósitos com matriz de metal, ligas à base de magnésio, entre outros. O peso mínimo de cada motor é 112,5 kg.
“As regras são bem estritas no uso de materiais exóticos, peso e regime de rotação do motor. Isso evita que alguém com mais dinheiro leve vantagem e também facilita na fase de projeto”, avalia John Judd, que sabe bem das dificuldades de um pequeno fabricante para se manter competitivo no automobilismo – e, acima de tudo, sabe que um motor não se faz de um dia pro outro. Com pouco mais de 1 ano para dar vida ao projeto que levaria a marca da Lotus, a Judd teve dificuldades de prazo e seu primeiro motor deu as voltas iniciais somente dia 12 de janeiro deste ano, enquanto a Honda foi para pista já em agosto de 2011 e o propulsor da Chevrolet no setembro seguinte.
Com relação à transmissão, o câmbio, que antes era mecânico, agora é sequencial, com mudanças feitas por meio de borboletas atrás do volante, algo inédito na categoria. Outra mudança técnica igualmente significativa é a adoção de freios com discos de carbono em substituição os discos de aço, o que muda drasticamente as condições de pilotagem em circuitos mistos e de rua.
Na pista
Com equipes e pilotos tão familiarizados com o carro anterior, a chegada do DW 12 representa um desafio enorme. Apesar dos vários testes e de três provas em circuitos mistos e de rua, ninguém parece ainda ter chegado ao limite do que o carro pode oferecer. Justin Wilson (equipe Dale Coyne), num primeiro momento, disse que nunca havia pilotado nada igual. Já Ryan Hunter-Reay (Andretti) destacou que o carro é mais ágil e mais rápido, mas não pareceu ser o maior simpatizante dos freios de carbono, que aumentam muito a capacidade de frenagem do carro. “Eu quero que a frenagem seja mais difícil”, afirma.
O neozelandês Scott Dixon (Ganassi) testou o DW 12 pela primeira vez no superoval de Fontana e identificou um problema de subesterço que tinha origem na distribuição de peso no carro: 59% na traseira e 41% na dianteira. A Dallara tentou corrigir o comportamento do carro recuando a suspensão dianteira, mas ainda assim a distribuição de peso está mais desigual do que era no IR 07 (45% na dianteira, 55% na traseira).
Companheiro de equipe de Dixon, o tetracampeão Dario Franchitti avalia que decifrar o acerto do modelo será especialmente difícil nos ovais. “Quando formos acertar o carro para Indianapolis, vai ser um mundo novo para nós”, pondera Franchitti à revista americana Road & Track, dando o exemplo de que a equipe conhecia o carro tão bem que o acerto do ano anterior continuava sendo o ideal para o ano seguinte. “Esta vai ser uma grande viagem no desconhecido”, prevê.
Mas antes da centenária prova do último domingo de maio, os DW 12 de Franchitti, Dixon, Castroneves, Barrichello, Kanaan e Bia Figueiredo irão rasgar a Marginal Tietê a mais de 300 km/h na terceira edição da São Paulo Indy 300, nos dias 28 e 29 de abril. A categoria chega ao Brasil com a liderança de Will Power (Penske) na tabela de pontos, seguido por seu companheiro de equipe, Hélio Castroneves, que, depois de quebrar o jejum de vitórias logo na primeira etapa desta temporada, quer apagar o péssimo ano que teve em 2011 com muita velocidade, a bordo de seu novo carro. Assim como a Indy.
Helio comemorando sua vitória em St. Petersburg
na abertura do campeonato
Ficha técnica: Dallara DW 12
Chassi
Nome: Dallara DW12
Comprimento: 5012,3 mm
Largura: 2011 mm
Altura: 1127,9 mm
Entre-eixos: 2997,2 mm ou 3073,4 mm, dependendo da correção de posicionamento da suspensão dianteira.
Peso mínimo: 710 kg
Distribuição de peso: 43% dianteira/57% traseira (aprox.)
Capacidade do tanque: 70 litros (aprox.)
Motores
Nomes: Chevy IndyCar V6 (Chevrolet), HI12R (Honda), DC00 (Lotus)
Tipos: turbinados ou biturbinados, ciclo Otto, quarto válvulas por cilindro
Deslocamento: 2200 cm³
Cilindros: máximo de 6
Ângulo dos cilindros: mínimo de 60°, máximo de 90º
Diâmetro dos cilindros: máximo de 95 mm
Árvores de comando de válvulas: máximo de quatro
Virabrequim: Único, com distãncia mínima de 100 mm do solo
Valves: duas de admissão, duas de exaustão (acionadas mecanicamente, sem controle variável de válvulas)
Rotações: máximo de 12,000 rpm
Pressão do Turbo: 22.47 psi (aprox. 1,5 kg)
Válvulas Wastegate: máximo de duas, acionamento eletrônico ou pneumático
Ignição: por bobina, uma vela por cilindro
Injeção: direta, máximo de dois injetores por cilindro
Unidade de Comando: McLaren 400i
Peso mínimo: 112.5 kgs
Comprimento: 460 mm
Porência: de 550 a 700 cv (declarada)
Torque: 406 Nm (aprox.)
Push-to-Pass: Proibido. Futuramente é possível que seja adotado o uso de boosts de 100 cv (circuitos mistos) e 50 cv (oval)
Pressão de combustível: máximo de 300 bar
Combustível: E85 Ethanol
Consumo de combustível: 3 milhas por galão (0,78 km/litro aprox.)
Acelerador: sistema drive-by-wire
Transmissão
Tipo: Sequencial
Fabricante: Xtrac
Número de modelo: 1011
Número de marchas: 6
Acionamento das marchas: borboletas atrás do volante (shift paddles)
Embreagem: fabricada pela AP Racing, disco triplo de carbono e miolo de aço
Suspensão
Dianteira: Duplo braço em “A”, tipo pushrod, com barra anti-roll
Traseira: Duplo braço em “A”, tipo pushrod, com barra anti-roll
Aerodinâmica
Downforce: 4600 pounds a 320 km/h (aprox.)
Arrasto: 1500 pounds a 320 km/h (aprox.)
Freios
Conjunto: discos e pastilhas de carbono e pinças em monobloco de alumínio
Fornecedor: Brembo
Pinças: com seis pistões, de 28/30/36 mm
Peso da pinça: 2,08 kg
Diâmetro dos discos: 328 mm
Espessura dos discos: 30 mm (Espessura minima: 19 mm)
Espessura das pastilhas: 24 mm
Peso das pastilhas: 270 g
Temperatura maxima de trabalho: 900°C
Rodas e pneus
Fornecedores de rodas: BBS, OZ, Avus
Front Dimensions: 10” de tala, 15” de aro
Rear Dimensions: 14” de tala, 15” de aro
Torque da porca: 430 lbs
Tipo de pneu: Slick
Fornecedor de pneus: Firestone
Especificação dos pneus dianteiros: 10.0/25.8R15 (circuitos mistos)
Especificação dos pneus traseiros: 14.5/28.0R15 (circuitos mistos)
Divisão dos pneus: 9 sets por final de semana para cada carro, sendo 5 sets de pneus mais duros, 3 sets de moles e 1 set de pneus mais duros usados