Visitamos o centro de Testes da Ford no Brasil, localizado em Tatuí (SP)
texto Vitor Lima fotos Vitor Lima e Divulgação Ford
Quando falamos de veículos, sejam da linha leve, pesada, comercial ou até veículos de serviços, alguns componentes vitais para o seu desenvolvimento são testados a exaustão de forma virtual e real. Cada um possui sua particularidade, mas por trás de todo produto, seja um carro completo, uma central multimídia, sistema de suspensão, motor, há algo em comum entre eles, o desenvolvimento para alcançar os resultados desejados.
Nessa linha de desenvolvimento automotivo, muitas tecnologias estão presentes nos veículos atualmente como itens de série que há alguns anos não existiam. É por exemplo o sistema de frenagem autônoma. Mas para que esses sistemas passem por atualizações e melhorias, o processo de desenvolvimento também precisa se renovar tecnologicamente.
Com base nisso, o Centro de Desenvolvimento e Tecnologia da Ford no Brasil, localizado em Tatuí (SP), é um dos nove centros de desenvolvimento da empresa no mundo, com mais de 1.500 profissionais que atuam em projetos globais. Entre esses projetos podemos citar os carros elétricos e conectados, tecnologias semiautônomas e exportação de serviços de engenharia para mercados como China, Estados Unidos e Europa. Mesmo que a Ford não tenha mais fábrica no Brasil desde o começo de 2021, a marca atua no desenvolvimento de projetos globais em colaboração com a Ford e suas filiais distribuídas por todo o mundo.
Estrutura
O centro de Testes da Ford é o único da marca na América Latina e tem uma área total de 4,66 milhões de m², com 20 km de pistas pavimentadas e 40 km de pistas off-road com diferentes tipos de piso e traçados. O local também abriga laboratórios de emissões, desmontagem e análise de peças, dinamômetro de motores, laboratório vibroacústico, simulador de estradas e áreas de engenharia reversa para componentes de motores e transmissão que atuam na desmontagem e escaneamento das peças.
Além das atividades citadas, há áreas de suporte com garagem experimental, montagem de protótipos, almoxarifado, posto de combustível e carregadores para veículos elétricos. Com essa estrutura é possível realizar mais de 440 tipos de testes, como avaliação de durabilidade, calibração, desempenho, segurança e homologação, tanto para normas nacionais como internacionais.
Áreas tradicionais de atuação dos profissionais de engenharia que atuam no desenvolvimento do centro de Testes da Ford como carroceria, chassi, motor, transmissão, suspensão, são complementadas com a área de tecnologia que trabalha no desenvolvimento dos softwares, componentes e ecossistemas para veículos eletrificados e sistemas autônomos.
Cerca de 85% do trabalho realizado no centro de Testes da Ford no Brasil é o desenvolvimento de soluções globais. A Revista O Mecânico teve a oportunidade de visitar o Centro de Desenvolvimento e Tecnologia da Ford e conhecer um pouco mais sobre as tecnologias que são desenvolvidas pelo time de engenharia do Brasil.
Pistas
Dentre os mais de 20 km de pistas pavimentadas que o centro de Tatuí dispõe, elas são separadas e destinadas para obtenção de parâmetros em diferentes condições, como pista de baixa velocidade, alta velocidade, lombadas, pistas para teste de durabilidade de componentes, pista para teste de conforto, áreas para teste de frenagem, teste de ruídos além de pistas especiais.
Ponto importante é que todas as pistas do campo de provas da Ford no Brasil são relacionadas com as pistas dos outros centros da empresa ao redor do mundo. Como o desenvolvimento dos veículos são feitos em nível global, isso permite que o mesmo carro ou tecnologia que está sendo desenvolvido e testada aqui no Brasil apresente os mesmos resultados em casos de testes em outras unidades de desenvolvimento da montadora.
Para as pistas off-road são destinados mais de 40 km com diferentes pavimentos, como poço de lama, pistas com cascalho, trechos de areia, rampa king, labirintos e simulações de terra. Além disso, o centro de Testes tem uma rota 4×4 natural, a Ford realiza treinamentos de direção e derrapagem, assim como trecho de transposição. Tudo ajuda no desenvolvimento dos sistemas de suspensão.
Conectividade
Durante a visita ao CDT da Ford, a Revista O Mecânico teve a oportunidade de conhecer mais sobre alguns sistemas que são desenvolvidos pelo time de engenharia. Na parte de conectividade, a Ford informa que, com exceção da Venezuela e Bolívia, todos os países da América do Sul são conectados com o sistema da Ford.
Todos os novos veículos são equipados de fábrica com um modem que fornece informações sobre o carro para Ford. Importante ressaltar que, toda vez que o veículo é ligado, o proprietário do veículo é informado sobre o compartilhamento de dados na tela da central SYNC (sistema de multimídia da Ford) e, caso queira, pode realizar alteração das configurações de compartilhamento por meio das instruções fornecidas.
Por conta dessa conectividade do veículo com a montadora, é possível que a Ford realize atualizações nos sistemas do veículo via OTA (Over-the-air), sem que haja necessidade de ir a uma concessionária. Semelhante ao método de atualização de software de um smartphone, no qual é recebido uma notificação/mensagem pela central SYNC que indica a disponibilidade de uma atualização para o seu veículo.
Porém, o veículo também consegue se conectar e enviar informações para o proprietário por meio do Ford Pass Connect. Este que é um aplicativo que integra algumas funcionalidades e dados do veículo no smartphone (o aplicativo Ford Pass Connect é disponibilizado na loja de aplicativos do seu dispositivo).
O aplicativo tem algumas funções como travamento e destravamento remoto, partida remota com climatização, partida remota agendada, acionamento das luzes e buzina, alerta de acionamento do alarme, sistema de localização, status do veículo como autonomia e odômetro, status de pressão dos pneus, alertas de funcionamento do veículo, entre outras funções.
Por meio do Ford Pass é possível receber uma notificação do momento da substituição do óleo de motor. Além do manual que indica o prazo de substituição, por meio dos sensores existentes no veículo e a comunicação com o aplicativo, é identificado o uso do veículo e monitorado a condição do óleo de motor, conforme esses parâmetros o sistema faz a indicação do momento da troca do fluido.
Simulador
Para auxiliar o time de engenharia no desenvolvimento e aprimoramento da dinâmica e comportamento do veículo, a Ford apresentou um simulador estático de engenharia, com este, a montadora possui ao todo três simuladores estáticos, os outros são localizados no centro de desenvolvimento do EUA e na Alemanha. Mas qual a finalidade do simulador?
Além de ajudar na redução de protótipos físicos, o simulador permite testar a dinâmica do veículo em ambientes iguais aos mapeados como as pistas dos centros de teste, assim como o comportamento com diferentes parâmetros de componentes.
Um exemplo é o comportamento do veículo com diferentes parâmetros de pneus. As fabricantes de pneus escolhidas fornecem produtos com diferentes medidas e tecnologias que, são enviadas para a Ford dos Estados Unidos que realiza a medição de todos os parâmetros do componente, assim é gerado os dados para o ambiente virtual do simulador.
Com isso, já é possível eliminar alguns produtos com base na meta que a Ford deseja alcançar para tal veículo, sem a necessidade do teste físico em pista. O simulador estático é do tipo DIL (driver in the loop) que, dentro da simulação ele interage com toda a física, ou seja, o mesmo modelo utilizado para metrificar e desenvolver um carro anteriormente, agora tem a presença de um ser humano que interage com o simulador. Ele é responsável por perceber e interagir em tempo real com a dinâmica do carro que é calculada em tempo real.
Essa percepção, faz com que o piloto de testes possa informar ao time de engenharia o comportamento dinâmico do veículo, possibilitando testes com diferentes parâmetros de diferentes componentes, como molas, barras estabilizadoras etc.
O sistema é composto por seis computadores que geram todo o ambiente de simulação em tempo real. Cada máquina é responsável por determinada função, como exemplo, um dos computadores é totalmente dedicado aos cálculos matemáticos. Uma tela de 210° faz com que o piloto tenha o campo de visão totalmente coberto para que tenha a imersão ao ambiente de provas virtual.
A avaliação de dinâmica do carro leva em consideração o esforço no volante, o ângulo, para avaliar se está de acordo com a parte visual, ou seja, se as informações estão corretas entre o visual e os parâmetros calculados. Por ser um simulador estático, não é possível ter a percepção da aceleração do veículo.
Pré-ajustes mais assertivos podem ser feitos nos protótipos físicos com a ajuda do simulador, como a calibração do sistema de direção com parâmetros de esforço da direção com o veículo em andamento ou até em situações de baliza ou parking.
O simulador de engenharia da Ford permite a conexão com hardware. É possível utilizar um módulo físico do veículo, como módulo de direção, módulo ABS. Ao conectá-lo no simulador, o módulo entende que está fisicamente em um veículo, pois o ambiente de simulação envia dados como velocidade, aceleração, entre outros. Com isso, é possível realizar a calibração do módulo conectado.
Além do desenvolvimento da dinâmica do veículo, o simulador da Ford permite o desenvolvimento de características do sistema ADAS. Como a tela do simulador tem 210° ao posicionar uma câmera de sistema ADAS o dispositivo entende que está em um ambiente real, por causa da profundidade e resolução causada pela tela.
O simulador permite alteração climática o que ajuda no momento de entender como a câmera do sistema ADAS irá atuar em condições diferentes, como por exemplo um tempo chuvoso, como a câmera irá identificar uma placa de velocidade nessa condição, distância de reconhecimento dos objetos.
Testes realizados
Saindo do ambiente virtual, testamos nas pistas alguns dos sistemas que são desenvolvidos pela Ford em para seus veículos. O sistema One Pedal permite que seja feita a aceleração e frenagem do veículo utilizando um único pedal. O funcionamento desse sistema é simples, pois, ao pisar no pedal do acelerador o veículo sairá da inércia e começa a ganhar velocidade normalmente, conforme o esforço feito pelo condutor. Porém, ao retirar o pé do pedal do acelerador, o sistema inicia a frenagem do veículo de forma gradual, até o momento em que a parada total seja realizada, caso não haja mais acionamento do pedal.
Após conhecer na prática como o sistema One Pedal atua, foi o momento de testar o assistente de frenagem autônoma. O carro utilizado para os dois testes foi um Ford Mustang Mach-e. Para o teste de frenagem automática foi mantido uma velocidade de 50 km/h para aproximação do objeto de teste que estava parado, simulando um veículo. Durante o teste, sem pisar em nenhum momento o pé no pedal do freio ou retirar o pé do acelerador, o sistema realizou a parada total do veículo sem encostar no objeto à frente.
Caso for retirado o pé do acelerador e acionado o pedal do freio ao se aproximar do veículo a frente, o sistema não realiza a atuação de frenagem autônoma, pois entende que o condutor tem reação de parar o veículo sem que haja atuação do sistema de segurança.
Ainda nas pistas pavimentadas, foi realizado um teste de arrancada com o Ford Mustang GT para testar a função de cronômetro de aceleração do Track Apps. Este que é um recurso com diferentes funcionalidades para utilização em pistas e circuitos. Além do cronômetro de aceleração que vai marcar o tempo em que o veículo atingiu os 100 km/h, há funções como desempenho de frenagem, cronometro de volta, configurações de partida, drift brake e line lock.
Indo para a pista off-road, foi demonstrado a atuação do modo de condução Lama/Terra com o Ford Maverick FX4. O modo pode ser ativado abaixo da velocidade de 48 km/h e ativa o bloqueio da tração nas quatro rodas, que pode ser desativado utilizando o controlador do modo de direção. Nesse modo a frenagem em percurso off-road é melhorada, além de permitir que o veículo deslize um pouco no momento das curvas com maior velocidade.
Ao desativar o modo Lama/Terra, no momento das curvas com mais velocidade, o controle de tração atua sob o veículo e não permite nenhum tipo de deslizamento, mas ao mesmo tempo se manteve estável sem a necessidade de diminuição da velocidade, mesmo fora de estrada. Porém, é perceptível como a dinâmica do veículo muda conforme ativação do modo, que também ajuda na redução de parada total do veículo em superfícies não uniformes e aumenta o som emitido pelo motor.
Vale lembrar que, ao ativar este modo o sistema de câmera frontal é ligado e permanece caso o veículo esteja a uma velocidade inferior a 24 km/h. Caso seja ultrapassada essa velocidade, o sistema desativa a câmera até que a velocidade do veículo esteja abaixo de 20 km/h. Em caso de atolamento, este modo auxilia o veículo a desatolar da neve ou da areia profunda.