Até que ponto valeria a pena arriscar, principalmente, em componentes que envolvem segurança?
A pandemia de Covid-19 trouxe muito mais do que uma doença grave para o nosso meio. Junto com ela, veio uma grave crise econômica. E o dia a dia dos últimos meses tem mostrado que esse flagelo é tão ameaçador quanto a própria doença.
É claro que alguns vão criticar: “mas as oficinas mecânicas foram consideradas atividade essencial e ficaram com as portas abertas. Trata-se de um setor privilegiado. Não têm do que reclamar”.
Por sinal, criticar é muito fácil. Na maioria das vezes, o crítico se arrisca muito pouco quando faz colocações ácidas e até mesmo divertidas sobre um trabalho que alguém executou. E a razão é simples: ele não precisa gerar uma solução para o problema. O problema já foi resolvido. Ponderar como algo poderia ter sido feito, quando não mais existe a necessidade imediata de fazê-lo é muito fácil.
Agora criar uma solução viável, que pode ser aplicada dentro do contexto e com os recursos disponíveis naquele momento, para um problema que requer atenção imediata… Bem, isso é para poucos.
Realmente, não se pode negar que os setores cujas portas tiveram que ser fechadas foram bem mais afetados. E nessa hora, não há palavras de conforto ou incentivo que livrem um trabalhador, que perdeu o emprego, de uma sensação de desespero. Nem velhos clichês já desgastados vão confortar um pequeno empresário que precisa dispensar a sua equipe e vai acabar perdendo o negócio, diante da pergunta: “e agora?” Só quem já vivenciou sabe como é.
Na atual conjuntura, feliz se sente aquele que teve uma suspensão do contrato ou um redução do seu salário (ambos temporários), mas manteve o emprego e os benefícios, como plano de saúde. E é nessa hora que o indivíduo, que precisa a qualquer custo do seu veículo rodando, tem que fazer uma escolha: por comida na mesa, pagar a contas essenciais ou fazer um reparo “como manda o figurino”? E a resposta é óbvia: reparar com o menor custo possível.
Como o mecânico é praticamente um membro da família, as mudanças de oficina numa situação de grave aperto financeiro são muito raras. Engana-se quem acha que o “Guerreiro das Oficinas” não se importa. Na grande maioria das vezes ele fará das tripas coração, principalmente no que diz respeito à mão de obra, para ajudar aquele cliente amigo – dentro do possível, pois o mecânico também tem família para sustentar. O problema são as peças. Elas precisam ser compradas e pagas.
As peças genuínas, aquelas que trazem a marca de montadora, são as favoritas. E não é por menos: têm garantia de aplicação (sem adaptações) e, descartando raras eventualidades, durabilidade. Só que são bem mais caras e nem sempre podem ser encontradas com pronta entrega. Se em situações normais de mercado alguns clientes já ficam com dois pés atrás quando são informados dos preços, em tempos de crise, as mesmas são renegadas – exceto quando existe exclusividade, aí não tem jeito.
A segunda opção são as peças originais, aquelas produzidas pelos fornecedores das linhas de montagem. Excelente qualidade, aplicação sem problemas (na grande maioria dos casos) e boa disponibilidade. Mas, em momentos de crise, também podem ficar fora do alcance monetário do cliente.
A terceira opção são as peças paralelas, produzidas por empresas que não fornecem o componente original às montadoras. Em alguns casos, a qualidade e a durabilidade nem sempre atendem às expectativas e obter garantia do fabricante costuma ser mais complicado. O mecânico procura evitá-las, mas como são baratas e podem ser encontradas em qualquer revendedor, numa situação de redução forçada de custos, sob insistência do cliente, o profissional acaba aplicando. Porém, mediante um termo de ciência e responsabilização assinado pelo dono do veículo.
Mas existe ainda uma quarta opção: a peça recondicionada. E neste ponto, antes de continuar, é importante diferenciar muito bem uma peça recondicionada de uma remanufaturada.
Chama-se remanufatura o processo no qual um fabricante reconstrói o seu produto, na mesma linha de produção, ou em uma similar, com a mesma tecnologia e componentes utilizados na produção de um produto novo. Via de regra, reaproveita-se apenas a parte estrutural, que é rigorosamente inspecionada. É claro que a qualidade, o desempenho e a durabilidade desse produto são similares a de um novo (esse é o objetivo), porém com um preço sensivelmente menor. Fabricantes de sistemas de embreagem, turbos, câmbios e motores têm linhas de remanufaturados que costumam fazer sucesso nas frotas comerciais. A desvantagem reside na abrangência: nem todas as linhas de produtos contam com o remanufaturamento. Por razões obvias, componentes que envolvem segurança, como freios, não costumam contar com linhas de remanufaturamento. Uma falha por fadiga metálica poderia causar um desastre.
Chama-se recondicionamento o processo onde uma empresa que não é o fabricante do componente reconstrói o mesmo, utilizando sua própria tecnologia e peças (nem sempre os componentes genuínos se encontram disponíveis), buscando obter qualidade, desempenho e durabilidade similares ao do produto novo. No entanto, devido a algumas limitações (técnicas ou não), esse objetivo nem sempre é alcançado. E por essa razão, as garantias oferecidas são limitadas. A obtenção de garantia é até possível. Mas se um sistema de freio falhar e um acidente fatal ocorrer, a quem reclamar?
Não é raro a ocorrência de problemas que comprometem, a curto e médio prazo, o trabalho do mecânico. E por essa razão ele as evita o mais que pode. No entanto, como essas empresas recondicionadoras atuam em quase todos os segmentos da reparação automotiva (inclusive peças de segurança) e oferecem preços bem mais reduzidos, costumam atrair clientes em situação financeira complicada.
Mas será que o risco vale a pena? Ou, mudando a pergunta: em tempos de pandemia, até que ponto valeria a pena arriscar, principalmente, em componentes que envolvem segurança?
Essa é uma pergunta que não tem uma única resposta. Esse dilema retornou as rodas de papo dos mecânicos, depois que a cotação de um jogo de pastilhas de freio genuína de um carro nacional médio/popular, de altíssima vendagem, ultrapassou os R$ 600. A decisão de aplicar ou não aplicar um peça recondicionada envolve vários fatores (técnico, jurídico, emocional etc.) e realidades (situação do mercado, clientela etc.). E cada caso precisa ser analisado e ponderado individualmente.
Por Fernando Landulfo