Investir em treinamento e equipamentos é mandatório para quem quer se manter competitivo e atualizado no mercado de manutenção automotiva com a chegada de novas tecnologias, como a eletrificação
O desenvolvimento da Inteligência Artificial (AI), assim como, as restrições de convívio social impostas pela pandemia de COVID 19, pôs uma “pulga atrás da orelha” de muitos profissionais: qual será o futuro do mecânico? Uma dúvida, por sinal, muito bem fundamentada.
Há poucos anos, consultas médicas por chamadas de vídeo, bibliotecas virtuais contendo quase tudo sobre todos os assuntos, home office e serviços de autoatendimento eram “coisas de desenho animado”, como os Jetsons. Por sinal, as histórias desse cartoon (criado entre o final dos anos 60 e início dos anos 70), se passam no ano de 2020. Coincidência ou uma assombrosa previsão do futuro dos seus criadores (Willian Hanna e Joseph Barbera)? Talvez nunca saibamos.
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Só que essas poderosas ferramentas tecnológicas, que tudo de bom tem a oferecer, em contrapartida, geram alguma insegurança nos profissionais mais maduros de diversas áreas. Uma insegurança totalmente natural. Afinal de contas, todo mundo tem algum medo de mudanças.
Só que as mudanças são inevitáveis. E a adaptação a elas é requisito para a sobrevivência (Lei de Darwin).
“Estar de bem com a vida e confortável com aquilo que nos acontece no dia a dia é maravilhoso. Mas situações novas acontecem quase que diariamente e, por isso, é preciso sair da zona de conforto. Pode ser difícil, principalmente no início, mas reconhecer que uma situação é desconfortável pode ser o começo para a aprender a lidar com ela sem sofrimentos” [1].
E com o mecânico não foi diferente. As mudanças vieram. Por exemplo: a eletrônica embarcada. Quando ela surgiu, aqui no Brasil, há uns 35 anos atras, causou o maior alvoroço no mercado da reparação.
Muitos profissionais entraram em pânico. Imaginando que iriam perder os seus negócios num curtíssimo espaço de tempo (meses), por se encontrarem tecnologicamente defasados, investiram o que podiam e o que não podiam em equipamentos e treinamentos caros.
Recursos esses que, apesar de imprescindíveis para a reparação da nova tecnologia, por acomodação natural do mercado, só viriam a ser efetivamente utilizados no dia a dia da oficina quase 2 anos depois. Nesse ponto é preciso lembrar que algum desses treinamentos precisaram ser refeitos (o que não se pratica se esquece).
No entanto, quem fez esse investimento desfrutou das vantagens oriundas do pioneirismo. D’Angelo [2] exalta o pioneirismo, classificando-o como um gerador de lucros superiores. Algo que a realidade do mercado acabou por comprovar.
Outros mecânicos adotaram uma postura mais conservadora. Leram as justificativas de implantação e fixação das “novidades” (legislação ambiental (Proconve) e de segurança veicular do Brasil, além de projetos de leis e de normas técnicas). Além disso, consultaram também os lançamentos das montadoras e as estatísticas da Anfavea, com relação à produção e as projeções de crescimento dos novos veículos equipados com essas novidades.
Depois, consultaram os prazos de garantia oferecidos pelas montadoras a esses novos veículos. Isso permitiu estimar quando iriam começar a receber esses novos veículos na oficina.
De posse de todas essas informações, realizaram um plano de investimento em tecnologia (equipamentos e treinamentos), de forma que estivessem prontos para trabalhar quando os primeiros carros adentrassem a porta da oficina. Na velocidade que julgaram adequada para o tamanho do seu negócio. E assim como os “pioneiros”, sobreviveram à mudança, obtendo sucesso e lucro dentro das suas respectivas capacidades.
Eletrificação dos veículos vai mudar o futuro do mecânico
Nos últimos 20 anos, mais inovações foram inseridas nos veículos. No entanto, numa velocidade que permitiu ao “Guerreiro das Oficinas” adequar tecnicamente a sua oficina e reciclar a equipe sem grandes impactos.
Contudo, o advento da eletrificação, que tem ocorrido mundialmente nos últimos 15 anos (em maior ou menor grau, dependendo do país), provocou literalmente um “choque” no mercado da manutenção automotiva ao inserir algo totalmente novo para o mecânico de automóveis, caminhões, ônibus e motocicletas: a tração elétrica em veículos híbridos ou totalmente elétricos. Sem falar em seus respectivos acessórios. Por exemplo, o freio regenerativo, baterias de alta capacidade e linhas de alimentação de alta potência.
Nesse ponto, não podem ser esquecidos os profissionais que atuam com ônibus elétricos (troleibus) e com empilhadeiras elétricas. Profissionais esses que tem contato com esse tipo de tração. Mesmo que não tão sofisticada.
Sem sombra de dúvidas que, para lidar com essa nova tecnologia, o “Guerreiro das Oficinas” precisa mais uma vez adquirir novos equipamentos e aprender coisas novas. Principalmente, no que diz respeito à segurança.
Acostumado a trabalhar por décadas com baixas potências elétricas nos veículos movidos apenas à combustão, o mecânico agora se depara com “grossos” condutores elétricos que transportam altas e letais potencias da (s) “cara(s)” e delicada(s) bateria(s) ao(s) poderoso(s) motor(es) elétrico(s). Uma “bobeada” pode significar, na melhor das hipóteses, um tremendo prejuízo financeiro. Na pior, a irreparável perda de um ser humano.
Trata-se de um impacto parecido com aquele que ocorreu no início dos anos 90, quando a eletrônica embarcada surgiu nos primeiros automóveis. Só que agora com um agravante: a letalidade.
O investimento em treinamento e equipamentos é mandatório para quem quer atuar com esse tipo de veículo. E não importa o subsistema: motor, transmissão, freios ou suspensão. O risco de acidentes existe em praticamente todos eles. O que muda são apenas as consequências.
Mas quando fazer isso? Se eu não investir agora, vou sair do mercado?
A conclusão de cada um (cada empresa tem uma realidade própria), vai depender de vários fatores. Por exemplo:
- a) Querer e/ou poder se tornar um pioneiro e desfrutar dessa vantagem;
- b) Ter facilidade e/ou disponibilidade de acesso rápido a esses veículos.
Uma consulta às mídias assim como aos anuários de produção e venda de veículos novos de países Europeus, da China e dos Estados Unidos, pode ser tanto animador como provocar fortes arrepios. Por exemplo:
“Levantamento da S&P Global Platts Analytics aponta um crescimento de 108% ano a ano nas vendas de veículos elétricos (VEs) no mundo em 2021, impulsionadas pelos altos custos do combustível e políticas de regulamentação e incentivos financeiros, especialmente na China e na União Europeia.” [3].
“A participação dos VEs no mercado em base mensal saltou de 7,2% em janeiro para cerca de 20% em dezembro do ano passado. A meta oficial do governo chinês é que eles atinjam uma participação de 20% nas vendas o ano inteiro em 2025.” [3]
“Na Europa, as vendas de carros elétricos aumentaram quase 70% em 2021 para 2,3 milhões. De acordo com a IEA, quase metade delas foram de híbridos plug-in.” [3].
Sem sombra de dúvida que essas são informações impressionantes e impactantes. Mas essas estatísticas atingem apenas os mecânicos chineses, europeus e estadunidenses.
Os números divulgados ANFAVEA no seu anuário de 2022 [4], que dizem respeito ao Brasil, são um pouco diferentes. Apesar de a indústria nacional estar muito preocupada com as mudanças climáticas e bastante empenhada em reduzir as emissões de carbono da atmosfera, os números referentes à eletrificação dos veículos são bem mais modestos.
De acordo com a Anfavea [4] os veículos elétricos e híbridos corresponderam, em 2021, 1,8% do mix de vendas de veículos leves (p. 13). No entanto, pode-se observar um crescimento de 66,2% na quantidade de veículos elétricos licenciados entre 2019 e 2020. Já entre os anos de 2020 e 2021 esse aumento foi de 76,9% [4, p. 52].
Contudo há uma previsão de que esse número atinja entre 12% e 22% (432 mil veículos em um cenário conservador) em 2030 e 32% a 65% (1,3 milhão de veículos em um cenário conservador) em 2035 [4, p. 13]. Algo parecido foi projetado para os veículos pesados: 10% a 26% do mix de vendas em 2030 e 14% a 32% em 2035 [4, p.13].
E esses veículos, que continuam tendo partes mecânicas, vão se desgastar e quebrar. E quem é que vai consertá-los? O “Guerreiro das Oficinas”, é claro. Quem mais seria?
Ou seja: no que depender dos veículos elétricos e híbridos, o futuro da profissão de mecânico está garantido. Trata-se de um mercado promissor e que está pleno em crescimento.
No entanto, a entrada massiva desses veículos nas oficinas vai demorar ainda algum tempo. Quanto? É muito difícil prever. Principalmente, tendo em vista os crescentes períodos de garantia que são oferecidos aos veículos novos. Alguns deles já estão aparecendo por aí. Mas para desfrutar desse novo mercado (com segurança), o mecânico, mais uma vez, vai ter que investir e voltar ao banco da escola.
Quanto tempo o mecânico tem para se preparar? Vai depender das suas ambições, assim como, das suas possibilidades.
Artigo por Fernando Landulfo publicado originalmente na Revista O Mecânico (ed.348, abril/2023)