Fiado, calote ou abandono do veículo dentro da oficina: de que forma o mecânico deve se proteger para gerenciar uma situação de inadimplência?
Não há provas, mas acredita-se que o fiado nasceu no mesmo dia que os irmãos gêmeos: comércio e prestação de serviços. Parentes, quem sabe? Mas vamos admitir que o fiado é um primo de segundo ou terceiro grau desses irmãos. Mas o que é fiado? Segundo os dicionários significa simplesmente: vender a crédito. No entanto, a palavra tem origem no verbo fidare do Latim. E significa: confiar. Ou seja, descreve uma transação onde existe uma relação de total confiança entre comprador e vendedor. E na oficina não é diferente, com a inadimplência também presente.
Ah! Parece aquele parente “confiado” que aparece “do nada” no churrasco da família, sem convite e de mãos abanando. Além de comer como um mastodonte, fica de pileque com as melhores cervejas importadas, dando obviamente o devido vexame e acaba o dia dormindo (e babando) no sofá da sala. Ao anoitecer, sem ter colaborado com absolutamente nada, se despede na maior cara de pau, alegando um compromisso importante e desaparece por um bom tempo.
Lembrou de alguém? É claro que sim! Esse parente é o cliente não muito usual que pede, na surpresa, fiado na hora de pagar por um serviço sem oferecer nenhuma garantia de que irá se comprometer com a dívida.
Aqui cabe diferenciar esse perfil da comparação com aquele outro cliente usual de anos, que indica clientes, que nunca “deu mancada” e que, já nos primeiros minutos de conversa, assume graves dificuldades financeiras e pede um tempo para pagar, geralmente, oferecendo alguma garantia: um cheque pré-datado ou uma promissória. Como negar crédito a uma pessoa como esta? É claro que surpresas podem ocorrer, mas, nesse caso em que há uma legítima relação de confiança, elas costumam ser muito raras.
Então a solução para o problema é bem simples: basta banir definitivamente o primeiro cidadão, que nada tem a somar, da convivência. Porém, antes de tomar uma decisão dessas, é preciso refletir bastante. A curtíssimo prazo, realmente essa solução pode parecer eficiente e eficaz. Menos um daqueles clientes que é melhor não ter. Afinal, cliente bom é aquele que paga. No entanto, é preciso pesar muito bem as consequências a médio e longo prazo.
Acontece que esse “primo folgado” pode ser muitíssimo bem relacionado no ambiente empresarial. O típico “picareta simpático e divertido”. O sujeito certo para se pedir para fazer um contato com uma pessoa influente, em caso de necessidade. E ele costuma ajudar – mas apenas aqueles que toleram os seus pequenos “deslizes”. É aquele cliente que dá uma “canseirinha” para pagar, mas que, devido à tolerância a ele dispensada, indica muitos outros, que são abastados e muito bons pagadores.
Mas isso não deixa de ser uma “faca de dois gumes”. Pois, se de um lado o fiado ajuda a fidelizar e aumentar a carteira de clientes, do outro, por não haver qualquer garantia formal de recebimento, constitui um risco para a saúde financeira da empresa. Uma carteira de inadimplência muito grande costuma reduzir bastante a liquidez do negócio, que pode levar a problemas financeiros graves, até mesmo com os bancos.
Caso manter a prática do fiado seja uma decisão já tomada, existem algumas “ferramentas” que podem ajudar a diminuir o risco do “calote definitivo”.
Por exemplo:
• Selecionar muito bem a quem esse tipo de crédito será concedido;
• Limitar a quantidade (valor) desse tipo de crédito;
• Bônus e descontos na próxima compra para quem paga em dia;
• Limitação de valores para quem não paga em dia há muito tempo.
MAS E SE O “CALOTE” REALMENTE OCORRER?
Se não foram tomadas quaisquer garantias, pouco pode ser feito legalmente. O melhor a se fazer é:
• Contatar o cliente de todas as formas possíveis;
• Seja sempre gentil e demonstre compreensão;
• Negocie o pagamento de uma forma que haja alguma garantia de recebimento.
Já as dívidas lastreadas com garantias podem ser vendidas ou cobradas, até mesmo judicialmente. Mas é preciso ponderar bastante antes de tomar uma atitude dessas, pois as empresas de cobrança cobram pelo serviço e quando compram os títulos inadimplentes os desvalorizam bastante. Também, as cobranças judiciais são desgastantes e às vezes demoradas – e pode- -se não receber tudo aquilo que é devido.
Mas, cuidado! Para dar seguimento a uma cobrança desse tipo é preciso estar com a papelada em dia! Ou seja:
• Orçamento aprovado;
• Nota Fiscal emitida e com canhoto assinado;
• Promissórias ou outras garantias assinadas.
Caso contrário, o feitiço pode virar contra o feiticeiro.
E SE O CLIENTE ABANDONOU O CARRO NA OFICINA?
Esse é um problema bastante recorrente em duas situações básicas: quando o cliente não aprova o orçamento e abandona o carro, ou quando cliente aprova o orçamento e não vai buscar o carro após a execução do serviço.
Em ambos os casos, o Guerreiro das Oficinas fica com um “mico” na mão. Um “mico” que ocupa espaço precioso e que NÃO PODE ser descartado de qualquer jeito. A legislação é clara! A oficina é fiel depositária do bem, sendo responsável pela sua guarda e conservação. Ou seja, se o carro for abandonado na rua e for furtado ou danificado, a oficina poderá ser judicialmente acionada.
Nesse caso, o melhor a fazer, esgotadas todas as tentativas de negociação, é constituir um advogado e forçar o cliente a remover o veículo. Depois, utilizar esse mesmo advogado para tentar restituir os prejuízos. Trabalhoso, sim, e por isso mesmo a oficina jamais deve se livrar do carro de maneira informal.
Artigo por Fernando Landulfo
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